Responsabilidade Corporativa e Sustentabilidade
Editorial

A globalização, tanto quanto as novas redes sociais, redefiniram processos de gestão nos mais variados formatos de empreendimento. Em diferentes velocidades, os mais diversos modelos de negócio se adaptaram ao novo ritmo globalizado, inclusive pela chegada até nos mercados mais protegidos, de concorrentes internacionais muito ágeis. Esta agilidade não estava, apenas, no uso de novas tecnologias ou no preço mais competitivo. Uma outra mensagem chegava ao mercado consumidor marcada por um outro sentido de responsabilidade corporativa. E a característica mais definida desse novo sentido era o envolvimento de cada negócio com a lógica da sustentabilidade. O consumidor investigava a presença dessa nova mentalidade, porém, o concorrente, em especial o internacional, a usava como método de ampliação de mercado.

As redes sociais não deram trégua na cobrança e consolidação dessa nova mensagem. Esse processo construiu um desenho novo para os mecanismos de responsabilidade corporativa, traçado – essencialmente – por um compromisso bem mais sólido com demandas da sustentabilidade. Em seus ângulos mais diversos. A compreensão desse quadro mais consolidado de responsabilidade corporativa, em perspectiva decididamente sustentável, é o eixo temático do terceiro número do Volume 8 da Revista Metropolitana de Sustentabilidade . Deste modo, as formas mais atualizadas do exercício dessa responsabilidade corporativa, enquanto conceito de práticas de sustentabilidade, compõem os temas deste número da RMS.

O artigo que abre esta edição “O nível de responsabilidade social das empresas importadoras da Serra Gaúcha quanto aos padrões trabalhistas seguidos por seus fornecedores internacionais” do professor Guilherme Bergmann Borges Vieira, da Universidade de Caxias do Sul e dos pesquisadores Rafael Mozart da Silva e Daiane de Macedo de Souza tem como objetivo analisar o nível de responsabilidade social das empresas que utilizam em suas cadeias de suprimentos produtos importados, especificamente no que se refere aos padrões trabalhistas seguidos por seus fornecedores internacionais. A partir de amostra com 32 empresas importadoras da região, a pesquisa de perfil quantitativo utilizou procedimentos de estatística descritiva e inferencial para discutir, por exemplo, a presença do dumping social, nos ternos dispostos pela Organização Mundial do Comércio, para estes fornecedores.

As empresas selecionadas na amostra pertenciam a diversos segmentos da indústria, tais como metal-mecânico, moveleiro, plástico, têxtil, vitivinicultura, entre outros, ressalvada que a característica relevante para a seleção das empresas era sua qualidade de importadora, não sendo determinante para o estudo o segmento de atuação das empresas ou outros fatores. Os resultados da pesquisa mostraram que a média geral das respostas das médias e grandes empresas às 11 questões inseridas nas duas partes finais do questionário (relativas a trabalho infantil e padrões trabalhistas) foram superiores às das micro e pequenas empresas. Já o importante princípio da responsabilidade social, o da manutenção de equidade e não discriminação dos trabalhadores terceirizados, ficou em um nível de responsabilidade social baixo nas empresas de micro e pequeno porte, e intermediário nas empresas de médio e grande porte.

O segundo artigo desta edição da RMS, “Percepção dos consumidores sobre práticas sustentáveis no varejo: uma análise fatorial dos clientes do supermercado Walmart em Campo Grande/MS”, dos pesquisadores Arthur Caldeira Sanches e Naira Denise Kalb e do professor Leonardo Francisco Figueiredo Neto, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, apresentou como objetivo identificar fatores que correlacionem ações sustentáveis e efetivas ações de gestão ambiental perceptíveis pelos consumidores deste varejista internacional, analisados em formato de pesquisa quantitativa a partir de análise fatorial. Os resultados encontrados mostraram percepção maior dos consumidores em coleta seletiva de lixo e na disponibilização de sacolas plásticas biologicamente degradáveis. A questão de fornecedores focou em ações de pressão/influência ou parceria para em prol da gestão sustentável. Já o voltado à comunicação associou a credibilidade que a marca possui às informações que são disponibilizadas aos clientes. A pesquisa evidenciou que o grau de escolaridade do consumidor é essencial para maior ou menor percepção de ações ambientais.

“Gestão pró-sustentabilidade: um estudo sobre o processo de mudança em uma empresa brasileira”, terceiro artigo desta edição, dos pesquisadores Ana Carolina Salles, Ana Paula Ferreira Alves, Jaqueline Guimarães e do professor Luis Felipe Machado do Nascimento, todos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem como objetivo compreender o processo de mudança para um modelo de gestão em prol da sustentabilidade na percepção dos colaboradores. O procedimento metodológico reuniu entrevistas com estes colaboradores bem como observações diretas não participantes. Os resultados da pesquisa mostraram que a inquietação da alta gerência e a parceria com instituições educacionais foi fundamental para que o novo modelo de gestão com maior vínculo com sustentabilidade fosse implantado, a partir de redefinição da área estratégica de atuação, do compromisso institucional e da reestruturação do organograma para tornar a gestão mais próxima à lógica da cooperação. Cabe salientar que as relações de poder dentro da empresa não mudaram, mas as potenciais tensões são amenizadas a partir da proposta de cooperação e maior compromissos com comportamentos sustentáveis.

O quarto artigo desta edição, “Investimento socialmente responsável”, de autoria de Marcus Vinicius Moreira Zittei, professor da Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas, dos pesquisadores José Orcélio do Nascimento, Alex Pedro da Silva, Magna Aparecida Sanches Lira e do professor do Insper, Leonardo Fabris Lugoboni, busca analisar a importância do Investimento Socialmente Responsável na captação de recursos perante os investidores, bem como a comparação desta forma de aporte com o investimento comum que tem por meta apenas a melhor rentabilidade utilizando-se das boas práticas de governança corporativa. Uma referência do estudo é o chamado Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), desenvolvido pela Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), com objetivo de identificar as empresas que se destacam pelo seu compromisso com o desenvolvimento sustentável no âmbito ético e social. Em abordagem quantitativa, os dados da pesquisa foram retirados do site de instituições bancárias, com análise dos Índices de Investimentos do Banco Bradesco, Banco do Brasil e Banco Itaú. Os resultados da pesquisa evidenciaram, de forma comparativa, o comportamento evolutivo do mercado de investimentos socialmente responsável brasileiro, em comparação aos casos anteriormente pesquisados.

A relação entre responsabilidade corporativa e sustentabilidade também atinge o universo acadêmico, como demonstraram os dois próximos artigos desta edição da RMS. “Desenvolvimento sustentável de universidades: um estudo comparativo entre Brasil e Venezuela”, quinto texto desta edição de autoria da professora Suzete Antonieta Lizote, do Programa de Pós-Graduação em Administração UNIVALI/SC, e das pesquisadoras Carina Treml, Evelin Maria dos Santos, Karolliny Dutra dos Santos e Lislaine Priscila Orsi de Godoy foi o primeiro destes textos. A pesquisa foi realizada em duas universidades, sendo uma na cidade de Itajaí/Brasil e a outra localizada em Maracaibo/Venezuela. O objetivo do estudo foi identificar a sustentabilidade da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e da Universidad Rafael Urdaneta – URU, com abordagem quantitativa O instrumento de coleta de dados utilizado foi a lista de verificação SICOGEA, em especial na comparação dos índices de desempenho ambiental, com perguntas fechadas, aplicados aos funcionários das respectivas universidades, responsáveis pelos setores analisados. Os resultados da pesquisa apontaram que a UNIVALI tem um bom desenvolvimento ambiental o qual indica que além de atender a legislação, surgem alguns projetos e atitudes que buscam valorizar o meio ambiente e que a URU tem um desenvolvimento ambiental regular, pois atende somente a legislação.

“Aprendizagem para a sustentabilidade: o caso da Universidade Corporativa Caixa”, sexto artigo desta edição, de autoria da professora Eliane Salete Filippim, do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, da pesquisadora Rosária Maria Ferreira da Silva e do professor Darlan José Roman, também da Universidade do Oeste de Santa Catarina tem como objetivo avaliar a percepção dos empregados da CAIXA (vinculados à Superintendência Oeste de Santa Catarina) sobre a Universidade CAIXA (UC) e sua atuação para a sustentabilidade. Foram aplicados na pesquisa 282 questionários entre funcionários respondidos (54,76% do universo) com duas entrevistas adicionais com o gestor da Superintendência Oeste de SC e outra com o gestor da Universidade CAIXA. Os resultados obtidos apontaram que os funcionários entendem que a UC participa de maneira satisfatória na busca de desenvolvimento sustentável. No entanto, a pesquisa também identificou que o conceito mais integrativo ainda não está completamente disseminado.

O artigo “Análise da eficiência energética do bagaço da cana na geração de vapor em uma usina sucroalcooleira”, sétimo texto desta edição da RMS, de autoria dos pesquisadores Bruno Henrique Barbosa, Cristiano Sérgio dos Santos e do professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Samuel de Oliveira, tem por objetivo apresentar a relevância do bagaço da cana como combustível utilizado no processo de geração de energia elétrica a partir da utilização de caldeiras e turbinas de alta pressão. As indústrias sucroalcooleiras buscam aumentar rendimento e eficiência industrial investindo em tecnologias no setor de cogeração de energia para minimizar as perdas em seu processo produtivo. O estudo abordou a análise do fator que interfere na eficiência da caldeira através da queima do bagaço e assim adotar medidas de controle com a finalidade de aperfeiçoar a eficiência da caldeira. Em formato de estudo de caso, a pesquisa foi realizada em uma indústria sucroalcooleira localizada na região do centro oeste do estado de Minas Gerais, com capacidade de produção aproximadamente 3.000.000 toneladas cana/safra. Os resultados da pesquisa mostraram a presença de fatores que interferem na extração do bagaço da cana-de-açúcar, acarretando perdas na geração de energia devido à umidade bagaço. O estudo sugeriu os ganhos inclusive ambientais com a mensuração da perda na eficiência da caldeira e o acréscimo de combustível, devido à umidade do bagaço estar fora dos seus parâmetros ideais.

O oitavo artigo desta edição “Sustentabilidade dos agricultores familiares da associação dos pequenos produtores da região do Alto Sant’Ana de São José dos Quatro Marcos, Mato Grosso”, de autoria do professor Junior Miranda Scheuer da Facultad de Agronomia da Universidad de la República, Montevidéu/Uruguai, da pesquisadora Sandra Mara Alves da Silva Neves, da professora Edinéia Aparecida dos Santos Galvanin da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e do pesquisador (In Memorian) Ronaldo José Neves, tem por objetivo avaliar o nível de sustentabilidade da agricultura familiar dos agricultores participantes da Associação dos Pequenos Produtores da Região do Alto Sant’Ana no município de São José dos Quatro Marcos, Mato Grosso. A partir do uso de entrevista semiestruturada, a pesquisa contemplou aspectos ambiental, capital social e humano, econômico e social, organização familiar e político-institucional. O principal objetivo foi o desenvolvimento do Índice de Sustentabilidade Agrícola Familiar para avaliar a sustentabilidade. Os resultados da pesquisa obtidos por meio dos índices/indicadores apontaram para uma sustentabilidade comprometida devido, principalmente, a carência de assistência técnica, transferência de tecnologias, formação escolar e capacitação rural, apesar da apresentação de variáveis que viabilizavam procedimentos de sustentabilidade. A pesquisa identificou que resultados menos favoráveis são produto de menor financiamento para o alcance de formas mais sustentáveis de desenvolvimento para a região.

O texto “El estudio de la sustentabilidad en su dimensión social desde el realismo crítico“, nono artigo desta edição, do professor Juan Pedro Ibarra-Michel do Departamento de Ciencias Sociales y Humanidades da Universidad Autonóma de Occidente – Mexico, tem como objetivo propor uma diferente aproximação dos estudos de sustentabilidade a partir de outro paradigma, o do realismo crítico. Em termos teóricos, o alvo maior do estudo é a discussão da visão positivista que cerca algumas interpretações do fenômeno da sustentabilidade. A proposta do realismo crítico propõe outra metodologia de análise para identificar mecanismos e estruturas mais complexos de observar. O conceito de realismo crítico permite integração de ferramentas de análise, de métodos e de estratégicas de absorção da realidade social. Essa outra perspectiva teórica permite melhor absorção de diferentes faces da ação dos grupos sociais em termos de práticas ambientais.

O artigo que fecha esta edição, “Tecnologia, Ecologia e Problemática Ambiental”, do professor Federico di Pasquo, da Universidad de Buenos Aires - Facultad de Filosofía y Letras e dos pesquisadores Gabriela Klier, Tomas Busan e Nahuel Pallitto, todos da mesma universidade, tem como objetivo uma análise comparativa entre o discurso da ecologia de ecossistemas e o discurso ambiental. O ponto central da discussão, na visão dos autores, é que a comparação entre esses dois conceitos sempre se encontra “dirigida” pela dimensão tecnológica. A proposta é problematizar essa dimensão tecnológica estabelecida com ecologia de ecossistemas. As conclusões do estudo indicam que ocorre tanto um “uso nocivo” da tecnologia para mitigar problemas ambientais, como também que a ecologia de ecossistemas se circunscreve, enquanto ação. em uma “tradição tecnocrática” que inibe alternativas mais produtivas de proteção ambiental e ecológica.

Boa Leitura!

Elza Fátima Rosa Veloso
Editora