CRIMES AMBIENTAIS E SUSTENTABILIDADE: DISCUSSÃO SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DOS GESTORES E
ADMINISTRADORES DE EMPRESAS
Marcos Antonio Madeira de Mattos Martins*
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Professor de Cursos de Extensão na Escola Superior de Advocacia
E-mail: [email protected]
Alexandre Formigoni
Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Paulista
Professor III-C das FATEC da Zona Leste e FATEC Guarulhos
E-mail: [email protected]
Karla Cristina da Costa e Silva de Mattos Martins
Mestre em Direito da Sociedade da Informação pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU)
Professora de graduação e especialização em Direito Empresarial e Eletrônico;
Coordenadora da Escola Superior de Advocacia da OAB - Subseção Sumaré
E-mail: [email protected]
Alessandro Marco Rosini
Pós-Doutorado em Administração de Empresas pela FEA USP
E-mail: [email protected]
Resumo
O presente artigo tem como objetivo investigar o tratamento jurídico da responsabilidade civil e penal dos gestores e administradores em relação aos danos causados ao meio ambiente. O referencial teórico traz o conceito e análise jurídica de responsabilidade, previsão jurídica de dano ambiental e as sanções previstas no ordenamento para as condutas tipificadas como crime. A pesquisa apurou as legislações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente, destacando o objetivo de harmonização entre o princípio da livre iniciativa e o desenvolvimento sustentável. Os dados obtidos através de relatório de órgãos fiscalizatórios do meio ambiente demonstram um número crescente de acidentes ambientais, com ausência de indicação de políticas efetivas de combate às condutas ilícitas. A análise de dados jurisprudenciais demonstra a tendência de condenação de gestores e administradores por danos causados ao meio ambiente, quando provado o nexo de causalidade entre a conduta do agressor, mesmo sem intenção de causar dano, e a consequente degradação ao meio ambiente.
Palavras-chaves: crime ambiental; sustentabilidade; responsabilidade social; gestão empresarial.
ENVIRONMENTAL CRIMES AND SUSTAINABILITY: DISCUSSION ON THE CRIMINAL RESPONSIBILITY OF MANAGERS AND CHIEFS EXECUTIVES OFFICERS
Abstract:
The objective of this research is to investigate the legal treatment of civil and criminal liability of managers and chiefs executives officers in relation to damages caused to the environment. The theoretical framework brings the concept and legal analysis of liability, legal prediction of environmental damage and the penalties provided for in the order for action classified as crime. The research analyzed the legislation related to the National Environmental Policy, connecting the goal of harmonization between the principle of freedom of economic activity and sustainable development. The data obtained through a report from environmental inspection agencies show an increasing number of environmental accidents, without indication of effective policies to combat illicit actions. The analysis of jurisprudence demonstrates the tendency of guilty of managers and chiefs executives officers for damages caused to the environment, when the causal link between the conduct of the aggressor is proved, even without intention to cause damage, and the consequent degradation to the environment.
Keywords: environmental crime; sustainability; social responsibility; company manager.
CRIMES AMBIENTALES Y SOSTENIBILIDAD: DISCUSIÓN SOBRE LA RESPONSABILIDAD PENAL DE LOS GESTORES Y ADMINISTRADORES DE EMPRESAS
Resumen:
El presente artículo tiene como objetivo investigar el tratamiento jurídico de la responsabilidad civil y penal de los gestores y administradores en relación a los daños causados al medio ambiente. El referencial teórico trae el concepto y análisis jurídico de responsabilidad, previsión jurídica de daño ambiental y las sanciones previstas en el ordenamiento para las conductas tipificadas como crimen.La investigación ha constatado las legislaciones relacionadas con la Política Nacional del Medio Ambiente, destacando el objetivo de armonización entre el principio de la libre iniciativa y el desarrollo sostenible. Los datos obtenidos a través del informe de organismos fiscalizadores del medio ambiente demuestran un número creciente de accidentes ambientales, con ausencia de indicación de políticas efectivas de combate a las conductas ilícitas. El análisis de datos jurisprudenciales demuestra la tendencia de condena de gestores y administradores por daños causados al medio ambiente, cuando se prueba el nexo causal entre la conducta del agresor, incluso sin intención de causar daño, y la consiguiente degradación al medio ambiente.
Palabras claves: crimen ambiental; sostenibilidad; responsabilidad social; gestión empresarial.
O meio ambiente é objeto de proteção de toda a sociedade, devendo o Poder Público criar mecanismos de controle de tutela ambiental para que todos os agentes econômicos possam garantir um desenvolvimento sustentável.
O governo federal criou, em 1981, lei implementando a Política Nacional do Meio Ambiente e tem buscado a conscientização da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental como forma de evitar ações depredativas executadas por empresários em nome do desenvolvimento socioeconômico, mas que violam interesses da segurança nacional e equilíbrio dos ecossistemas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), no exercício de seu poder de polícia ambiental e na implementação das políticas nacionais de meio ambiente, apresentou pesquisas que demonstraram o aumento de acidentes ambientais nos últimos anos, preocupando os gestores governamentais diante da falta de consciência da população sobre de uso e exploração consciente do meio ambiente.
A Lei 9605/98 criou normas que responsabilizam pessoas jurídicas, sócios, gestores e administradores por danos causados ao meio ambiente. Mesmo diante da força normativa, ainda se verificam condutas de gestores e de administradores que buscam o atingimento de suas metas sem qualquer preocupação com o meio ambiente.
Durante esse período que atravessou a edição da Lei 9605/98 até a tragédia ocorrida em Mariana, cidade de Minas Gerais (MG), quando 04 empresas e 22 pessoas se tornaram rés pelo desastre ambiental, poucos foram os gestores que se atentaram à norma penal que foi criada para manutenção da saúde ambiental e sequer respeitaram o princípio da precaução, que deve servir de esteio para a tomada de decisão empresarial.
A tragédia motivada pela negligência empresarial, avaliada como o maior desastre ambiental da história do Brasil, deixou 19 mortos e devastou a paisagem e a biodiversidade do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, no dia 5 de novembro de 2015, além de destruir o distrito de Bento Rodrigues (MG).
Enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisava pedido de suspensão das ações sobre danos do desastre ambiental ocorrido em Mariana (MG), famílias que perderam parentes e moradores que viviam no local ainda buscam e reclamam soluções mediatas para restabelecimento social de suas vidas.
A questão ambiental ainda é motivo de muitos debates sobre a responsabilização de gestores e administradores que não observam os princípios de proteção ao meio ambiente e buscam enriquecer-se à margem das obrigações sociais pelas quais o legislador impôs condições normativas para exploração da atividade econômica.
Nesse prisma, o presente trabalho buscará debater a responsabilidade dos gestores e administradores de empresas em decorrência de crimes ambientais, partindo de normas insculpidas no ordenamento jurídico sobre o tema, levando à reflexão sobre sua efetividade no campo gerencial das atividades e as decisões judiciais que demonstram a investigação sobre a culpabilidade dos sócios e gestores.
Para tanto, apresentar-se-á uma definição de crime ambiental e a responsabilidade dos atores empresariais que são considerados, pela lei, como partícipes de ações criminosas. Será discutido o tema da sustentabilidade empresarial com a conscientização do gestor, fazendo-se uma reflexão sobre desenvolvimento sustentável.
A metodologia qualitativa será utilizada para exploração da pesquisa, por meio de estudo bibliográfico, pesquisa jurisprudencial e análise sociológica através de levantamento de dados dos desastres ambientes ocorridos no Brasil nos últimos oito anos, buscando avaliar eventuais vínculos desses fatos com ações empresariais e os graus de riscos de atividade econômica que mais causaram degradação ao ecossistema.
A jurisprudência destacada no artigo visa demonstrar os dois lados das decisões que analisam denúncias relacionadas aos crimes ambientais e o vínculo decisório das empresas com relação aos danos ambientais apurados nas investigações.
O escopo da pesquisa é apurar se as políticas governamentais estão sendo efetivadas de modo a estancar danos ao meio ambiente e educar os agentes econômicos na exploração da atividade econômica.
A palavra responsabilidade vem do latim responsus, que é flexão do verbo respondere em latim (particípio passado verbal). Seu conceito traz a ideia de resposta a algo, a alguma ação. Na formação da palavra, a expressão latina respondere significa “responder, prometer em troca”, oriundo de re “de volta, para trás” adicionada da palavra spondere, “garantir, prometer” (Magalhães, 1960).
Sob o aspecto jurídico, a responsabilidade traz a conotação de que uma ação ou inação humana pode trazer resultados danosos. O agente causador dos danos deve responder pelos atos praticados. Daí a noção geral da expressão responsabilidade, ou seja, imposição legal a alguém, por força da norma jurídica, para responder sobre conduta tida como ilícita (ilegal).
Sob a ótica histórica do direito, segundo Gonçalves (2013, p. 42), “entre os romanos não havia nenhuma distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal.” Vale notar, nas relações jurídicas que sedimentaram Direito Romano, a responsabilidade, inicialmente, não tinha distinção ou divisão em campos jurídicos, como penal, civil ou administrativo. Existia, no entanto, uma compensação pecuniária, que não passava de uma pena imposta ao causador do dano.
Atualmente, os conceitos sobre responsabilidade estão divididos em diversas áreas do direito, como civil, penal, administrativo, tributário e em outras leis específicas, com o propósito de identificar o sujeito ativo da ação danosa, apurar os participantes diretos ou indiretos que contribuíram para o dano (responsabilidades subjetiva ou objetiva), prever a possibilidade de não se discutir a culpa, mas impor a responsabilidade objetiva sobre o evento danoso, além de dosar as penas ou sanções de acordo com a tutela do direito (infrações administrativas diferem da responsabilidade penal, por exemplo).
O ressarcimento do dano, para Bittar (1994), sempre foi a causa principal de instituição da responsabilidade. “O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados.” Daí a invocação da responsabilidade civil como sendo a obrigação de indenizar a vítima pelas consequências oriundas da ação violadora (BITTAR, 1994, p. 561).
O Código Civil Brasileiro, ao definir ato ilícito, prevê que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (art. 186, Lei 10.406/2012)
No entendimento de Noronha, para que haja a obrigação de indenizar, é necessário (a) um fato tipificado, ou seja, uma ação ou omissão humana, que seja antijurídico, isto é, não permitido pelo direito; (b) que o fato possa ser imputado a alguém; (c) que tenha produzidos danos; (d) que os danos possam ser mensurados de acordo com o ato ou fato praticado, ainda quando constitua atividade de risco pelo responsável.
A culpa do agente danoso, segundo dispõe a norma civil, pressupõe a imprudência, a negligência e a imperícia.
No entendimento de Gonçalves (2013, p.34), a conduta imprudente revela a ação do sujeito sem tomar as cautelas necessárias para execução de algo, com riscos implícitos que podem afetar interesses e bens alheios. A negligência é a falta de atenção, “a ausência de reflexão necessária”, uma espécie de descaso psíquico, deixando o agente de “prever o resultado que podia e devia ser previsto”. A imperícia representa a inaptidão técnica, a “ausência de conhecimentos para a prática de um ato, ou omissão de providência que se fazia necessária”.
Para investigação da culpabilidade do agente, nele incluída sua responsabilidade no evento, há necessidade de se verificar a existir ou não do dano para apuração do dever de indenizar a vítima.
Para Cavalieri Filho (2010), para se apurar a responsabilidade civil - diferentemente do que se faz na esfera penal – há necessidade de se apurar o dano e sua repercussão na esfera jurídica. Para se ter ideia da importância do dano na esfera civil, pode haver responsabilidade penal sem dano, por exemplo, em crimes de mera conduta como invasão de domicílio ou desobediência, mas não existe responsabilidade civil se não houver o dano material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial).
Através da Lei 6938/81, o legislador infraconstitucional, ao instituir conceitos sobre meio ambiente e danos ambientais, considerou, num primeiro momento jurídico, como sendo a degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente. Além disso, conceituou poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (Lei 6938/81, art. 3º).
A mesma lei de 1981 considerou agente poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º, inc. IV).
O dano ambiental, sob o aspecto de responsabilização do agente danoso, veio a ser debatido de forma mais incisiva com a formulação dos princípios constitucionais previstos no artigo 225 da Carta Federal.
Antes da Constituição de 1998, pode-se constatar que o Código Penal brasileiro mostrava-se desatualizado para reprimir os abusos contra o meio ambiente, visto que ao tempo de sua elaboração não havia, ainda, preocupação com o problema ecológico.
Para Gonçalves (2013, p. 87), havia necessidade de reformulação das leis com harmonização da Constituição Federal. Deveria, assim, haver ajustes no “Código de Águas, Código Florestal, Código de Caça, Código de Pesca, Código de Mineração” a fim de que “medidas de caráter preventivo e repressivo fossem estabelecidas no âmbito penal, capazes de proteger a sanidade do ambiente”, levando-se em conta não só “os atos nocivos” praticadas por “pessoas individuais”, mas também “pessoas responsabilizadas pelos delitos ecológicos”.
Nesse prisma, a Carta Federal impôs balizamento para que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (Constituição de 1988, art. 225, par. 3º.).
A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais, veio atender a esse reclamo. Essa lei criou sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Na citada lei, existe previsão de crimes contra a fauna, como, por exemplo, matar, perseguir, caçar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, bem como crimes contra a flora, como destruir ou danificar floresta considerada como preservação permanente, mesmo em formação (artigos 29 e seguintes da lei).
Sob o aspecto da graduação da pena, a mencionada lei previu a gradação da penalidade, devendo a autoridade competente observar a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente, bem como antecedentes do infrator (art. 6º).
Por ilação, para aferição do dano ambiental, independentemente da previsibilidade de existência de crime fixado pela lei, as ações humanas ou organizacionais que degradem o meio ambiente são consideradas danosas, passíveis de responsabilização e fixação de sanção jurídica, sem prejuízos de outras concepções jurídico-normativas previstas em legislações especiais.
Para análise da responsabilidade dos gestores e administradores por danos causados ao meio ambiente foi utilizado o método qualitativo. Ao se desenvolver uma pesquisa através de método qualitativo, o pesquisador busca alinhar seu conhecimento empírico através de estudos aprofundados sobre temas relevantes que podem auxiliar outros pesquisadores na exploração do mesmo tema ou de tema similares. Tratar de um estudo microssociológico que pode repercutir na orla macrossocial, ou seja, de questões específicas para questões de ordem pública, é relevante e muito oportuna para debates entre o Direito, a Economia e a Administração.
Segundo Marconi e Lakatos (2007), o método qualitativo possibilita o pesquisador entrar em contato com a bibliografia e análise de notícias sobre determinado caso, viabilizando a delimitação do tema e identificação do objeto para viabilizar o marco teórico referencial.
Para desenvolvimento da pesquisa qualitativa, os desastres ambientais que provocaram a mobilização da sociedade em razão dos danos causados na natureza servirão como base de estudo no presente artigo.
A existência de normas de proteção ambiental é um dos focos de estudo e de debate, mas o contraste entre a efetividade da norma e as medidas protetivas que são tomadas pelo Poder Público a título de precaução, ou até mesmo como medida, para evitar o dano ecológico também serão debatidas utilizando-se a doutrina e a jurisprudência como análise de responsabilidade social.
Como assevera Richardson (1999), outro ponto importante que ressalta a metodologia qualitativa é a possibilidade de se descrever a complexidade de determinado problema, analisar suas variáveis, classificar e buscar a compreensão dos processos dinâmicos vivenciados por grupos sociais.
Nos casos de danos ambientais, por exemplo, os grupos sociais atingidos podem ser estudados a partir das ações judiciais que reclamam os danos particulares sofridos por cada um, bem como aspectos materiais e psicológicos que são narrados e sustentados por cada pessoa, cada família, nas ações judiciais individuais ou coletivas que se pode ter acesso.
O grande marco legislativo que contemplou uma política de proteção ao meio ambiente está referendado na Lei 6.938/81, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Pode-se inferir que a necessidade de regulação de políticas de conservação do meio ambiente decorreu após a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada pela ONU em junho de 1972, quando ocorreu a declaração de que os recursos naturais como água, ar, solo, flora e fauna, deveriam ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação interna.
A mencionada lei de 1981 não foi revogada, mas apenas derrogada (revogação parcial) em razão de novas leis que foram publicadas posteriormente para harmonização da Constituição Federal de 1988.
Na Lei 6938/81, ocorreu a criação da Política Nacional do Meio Ambiente que tem por finalidade a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (art. 2º da lei).
Dentre os princípios previstos na citada lei, devem ser observadas as seguintes premissas: (I) ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; (II) racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; (III) planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; (IV) proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; (V) controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; (VI) incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; (VII) acompanhamento do estado da qualidade ambiental; (VIII) recuperação de áreas degradadas; (IX) proteção de áreas ameaçadas de degradação; (X) educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
A poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente podem afetar o meio ambiente, são ações que: (a) prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; (b) criam condições adversas às atividades sociais e econômicas; (c) afetam desfavoravelmente a biota; (d) afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; (e) lançam matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (artigo 3º, III, da Lei 6938/81).
Pode-se verificar que a Lei 6938/81 trouxe em seu corpo definições e princípios regentes para prevenção de danos ao meio ambiente. Essas normas pressupõem, em sua maior parte, a necessidade de regulação das atividades exploratórias do meio ambiente que derivam da atividade empresaria. A livre iniciativa – atividade organizacional – é, com o valor do trabalho humano, um dos fundamentos da ordem econômica (artigo 170 da Constituição Federal, “caput”).
Há necessidade, por consequência, de se fazer a interlocução entre regulação de atividades públicas ou privadas que explorem o meio ambiente e o desenvolvimento econômico sustentável.
O termo sustentabilidade, conceitualmente, derivou-se da expressão “desenvolvimento sustentável” que foi objeto de tema discutido na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na ONU, cujo relatório final foi apresentado ao mundo em 1987, citado no Relatório Brundtland. Nesse relatório, ficou assentado que uma série de medidas deveria ser adotada pelos países para a promoção de um desenvolvimento sustentável, como por exemplo, garantia de recursos básicos em longo prazo (água, alimentos, energia), preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, limitação do crescimento populacional.
Percebe-se, pois, que o termo desenvolvimento sustentável tem como característica semântica o substantivo desenvolvimento e como adjetivação o termo sustentável. Vale notar, a tentativa do legislador não foi a de coibir o desenvolvimento econômico, mas buscar a conscientização das pessoas de que a exploração da atividade econômica deve ser feita com observância dos preceitos e princípios gerais que preservam o meio ambiente como um todo.
A própria economia, fundamentada pela livre iniciativa e pelo valor do trabalho humano, traz como um dos seus princípios, a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (conforme “caput” do art. 170 e inciso VI, Constituição Federal).
Em capítulo exclusivo, a Carta Federal de 1988 também trouxe, em seu artigo 225, a imposição de ordem pública de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Esse capítulo demonstra a preocupação do legislador constituinte com o desenvolvimento sustentável que vincula a atividade econômica com a precaução que se deve ter com relação ao meio ambiente.
A precaução tem a conotação de prevenir e proteger a interação do homem ou sua atividade exploratória com o meio ambiente. As normas de preservação e precaução da atividade natural ou exploratória preveem a responsabilidade das condutas de cada participante no evento danoso.
A ação natural do homem ou a exploração feita por atividade empresarial devem pautar-se pelos princípios constitucionais e também pelas leis ambientais, pois as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (conforme previsão ínsita no art. 225, § 3º, da Constituição Federal).
A atividade empresarial pode desenvolver-se de maneira sustentável, ou seja, respeitando os princípios de prevenção que estão inseridos no ordenamento jurídico. Buscou-se, dentro dos elos normativos, estancar os efeitos nocivos causados ao meio ambiente pela ação do homem ou pela atividade empresarial.
Os riscos da atividade empresarial são graduados por meio de relatórios emitidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). As empresas são obrigadas a relatar e entregar ao Ministério do Meio Ambiente, Relatório Anual de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais (RAPP).
Para Mirra (2001) havendo controvérsias no plano técnico e até mesmo científico sobre determinada atividade ou substância que está sendo utilizada no meio ambiente, verificado o perigo de dano grave ou irreversível, essa atividade ou substância deverá ser evitada ou controlada de forma rigorosa.
O perigo do dano irreversível, pois, deve fazer parte do rol dos riscos das atividades empresariais, sobretudo quando se trata de exploração do meio ambiente em que subsistem leis específicas que impõem, aos gestores e administradores, a precaução como fórmula de prevenção de contingências.
Com o propósito de se investigar eventual responsabilização de pessoas físicas ou jurídicas em danos ao meio ambiente, necessário se faz uma singela distinção sobre o que vem a ser acidente ambiental e crime ambiental.
Para apuração dos acidentes ambientais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), como órgão regulador e fiscalizador direto do meio ambiente, apresentou, em junho de 2015, um Relatório de Acidentes Ambientais, com o objetivo de coletar as informações obtidas pela Coordenação Geral de Emergências Ambientais (CGEMA) e analisar os eventos danosos em regiões do país.
Para tanto, definiu-se como acidentes ambientais os eventos não planejados e indesejados, que possam causar direta ou indiretamente, danos ao meio ambiente e à saúde da população (p. 5, Relatório de Acidentes Ambientais).
No citado relatório, no período de 2006 e 2014, o IBAMA registrou 4713 (quatro mil, setecentos e treze) eventos caracterizados como acidentes ambientais, conforme tabela1 abaixo:
Tabela 1.
A tabela 1 exibe amostragem quantitativa de acidentes registrados em 2012 na marca de 645, representando um decréscimo de 9,5% em relação ao ano de 2011, enquanto que o patamar voltou a subir em 2013, com 732 ocorrências consideradas como acidentes ambientais.
Em 2014 o quantitativo de acidentes superou o ano de 2014, registrando 744 acidentes, ressaltando que, segundo o relatório o maior número de acidentes durante o período avaliado ocorreu na região sudeste, com 2847 acidentes nos oito anos apurados (p. 11, do Relatório).
O IBAMA estratificou as classes de riscos segundo código de identificação da Classificação Internacional de Produtos Perigosos adotado pelas Nações Unidas, registrando 9 (nove) classes subdivididas em: classe 1: explosivos; classe 2: gases; classe 3: líquidos inflamáveis; classe 4: sólidos inflamáveis, substâncias sujeitas à combustão espontânea, substâncias que, em contato com água, emitem gases inflamáveis; classe 5: substâncias oxidantes, peróxidos orgânicos; classe 6: substâncias tóxicas e substâncias infectantes; classe 7: materiais radioativos; classe 8: substâncias corrosivas; classe 9: substâncias e artigos perigosos diversos.
Segundo o relatório, a classe de risco 3, líquidos inflamáveis é a que está presente na maior parte dos acidentes, representando 29,7% do total de acidentes ambientais (p. 15, do Relatório).
De acordo com os formulários apresentados para elaboração do relatório do IBAMA, os tipos de eventos comuns classificados foram: derramamento de líquidos, lançamento de sólidos, explosão, incêndio, vazamento de gases, produtos químicos, embalagens abandonadas, desastre natural, mortandade de peixes, rompimento e outros (p. 17 do Relatório).
Os danos ambientais ocorridos entre os anos de 2011 e 2014 tiveram maior impacto na atmosfera e no solo, resultando, na maior parte das vezes, da supressão do abastecimento de água em determinados locais do país, de acordo com o acidente ocorrido (pp. 19 e 20 do Relatório).
Ainda, segundo o relatório, os combustíveis e derivados de petróleo, especialmente os líquidos inflamáveis, estiveram relacionados ao maior número de acidentes registrados pelo IBAMA em todos os anos analisados (p. 30, do Relatório).
Sob o aspecto danoso, o órgão regulador e fiscalizatório procurou traçar uma amostra do período sobre os acidentes ambientais, mas não houve a investigação sobre o fato de os acidentes terem sido ou não provocados – ainda que de forma indireta – por ação humana decorrente de conduta considerada como degradação ao meio ambiente.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que ainda que o relatório trate acidente como sendo eventos não planejados e indesejados, não trouxe a correlação entre o sujeito ativo da ação danosa (possível ou provável exploração de atividade econômica) e o nexo de causalidade com o dano, salvo a desnecessidade de conclusão de acidentes provocados por fato natural.
Assim, para interlocução entre as condutas danosas e eventos tidos como acidentes, é relevante analisar a previsão jurídica do legislador sobre condutas ilícitas consideradas como crime ambiental.
Crimes ambientais são previstos, em grande expressividade, na Lei 9605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Segundo Silva (1998, p.3), a tutela jurídica prevista pelo legislador para traçar diretrizes de proteção sobre o tema que originou a norma infraconstitucional, tem como objeto direto a concepção de meio ambiente. E meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento da vida de todas as formas”.
Nesse ponto, a Lei 9605/98 prevê infrações relacionadas ao meio ambiente, sem prejuízos de outras leis especiais que prevejam outras infrações e sanções, como forma de controle de desenvolvimento sustentável e proteção ao meio ambiente, tendo como fim principal, a necessidade de efetivação de políticas públicas para regular as atividades que interfiram na qualidade sustentável do meio ambiente.
Conforme dispõe a lei, considera-se crime contra a fauna, matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autoridade competente. Também comete crime quem impede a procriação da fauna, quem modifica, danifica ou destrói abrigo ou criadouro natural, bem como quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, lavras ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória (art. 29 da citada lei).
A pesca em período em que a lei considerada proibida ou em lugares interditados por órgão competente também é crime. Para efeitos da lei ambiental, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos de peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico (art. 36 da lei).
O crime contra a flora é considerado como a ação do homem tendente a destruir ou danificar floresta considerada de preservação ambiente, mesmo que em formação, e, ainda, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica. Também comete crime quem causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação de Proteção Integral (Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre); Unidades de Conservação de Uso Sustentável (Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural), ainda que o crime não for com a intenção de causar dano ao meio ambiente (arts. 39, 40, da lei).
Note-se, que com relação aos crimes contra a flora, a preocupação do legislador em preservar o meio ambiente é o de evitar o desmatamento desmedido e danoso à sociedade, principalmente em áreas de reservas permanentes que têm como função a proteção de todo ecossistema natural.
Causar poluição de qualquer natureza em níveis que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, é crime cuja pena estimada é de reclusão, de um a quatro anos, mais multa.
Ainda, quem tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; dificultar ou impedir o uso público das praias; lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, comete crime ambiental, cuja pena é de reclusão de um a cinco anos.
A conduta perigosa, consistente naquela em que o agente não teve intenção de cometer o crime, também é apenada com reclusão de um a cinco anos. Isso porque o princípio da precaução – que pressupõe as bases do desenvolvimento sustável –, previsto no art. 54, § 3º da citada lei, preconiza que também incorre na mesma pena quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Quando se compara o quadro de acidentes ambientais fornecido pelo IBAMA com as condutas criminosas tipificadas na Lei 9605/98, verifica-se que existem fortes indícios da prática de atos lesivos ao meio ambiente considerados como crimes ambientais, ainda que o IBAMA tenha catalogado como acidentes.
A Lei 9605/98, em seu artigo 2º, impõe a responsabilidade objetiva a quem, de qualquer forma, concorrer para a prática dos crimes previstos na lei, respondendo na medida da sua culpabilidade, inclusive o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Além disso, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme a citada lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º, da lei).
O comando legal para punibilidade de qualquer pessoa que esteja envolvida na decisão organizacional é de tal magnitude que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.
Caso a empresa ou sua constituição societária seja impasse jurídico ou obstáculo para possibilitar o ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, o juiz poderá declarar a desconsideração da personalidade jurídica, recaindo a responsabilidade diretamente aos sócios.
O gestor ou administrador de empresas, portanto, é aquele que, segundo a lei e a jurisprudência, possui poder de decisão capaz de degradar o meio ambiente, respondendo ele e demais partícipes por crime ambiental.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar a autoria de crime penal, determinou o trancamento (encerramento) de ação penal movida contra diretor de empresa por ausência de prova de vínculo com a conduta criminosa:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. DESCABIMENTO. ART. 34 DA LEI 9.605/98. CRIME DO MEIO AMBIENTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA EVIDENCIADA. RECORRENTE DENUNCIADA APENAS POR INTEGRAR O QUADRO ASSOCIATIVO DE EMPRESA QUE TERIA PROMOVIDO A
PESCA PROIBIDA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL OBJETIVA. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO MÍNIMA DE SUA CONDUTA. RECURSO PROVIDO.
1. O simples fato de a Recorrente figurar como sócia-gerente de uma pessoa jurídica não autoriza a instauração de processo criminal por crime contra o meio ambiente, se não restar minimamente comprovado o vínculo com a conduta criminosa, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva.
2. Embora art. 2.º da Lei 9.605/98 admita conduta omissiva como relevante para o crime ambiental, devendo da mesma forma ser penalizado também aquele que na condição de administrador da pessoa jurídica, tenha conhecimento da conduta criminosa e, podendo impedi-la, não o faz, a pessoa física não pode ser a única responsabilizada pelo ilícito penal cometido pela pessoa jurídica, mormente sem qualquer demonstração de sua responsabilidade sobre o evento, em tese, criminoso.
3. Recurso provido para, reconhecendo a inépcia da denúncia, por ausência de individualização da conduta em relação ao crime previsto no art. 34 da Lei n.º 9.605/98, determinar o trancamento da ação penal instaurada em relação à Recorrente, sem prejuízo de outra denúncia ser ofertada nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal.
(STJ – HC 34.957 – PA, 5ª. T. Relatoria Ministra Laurita Vaz, 2012)
No caso específico julgado pelo STJ, a decisão determinou o trancamento da ação penal por ausência da individualização da conduta criminosa da sócia-gerente de pessoa jurídica. Esse aspecto é mais um condicionante da ação penal do que a apuração material do crime ambiental.
A jurisprudência se manifestou sobre a possibilidade de condenação de diretor quando ficar demonstrado o nexo de causalidade entre a ação criminosa e o evento danoso.
O Tribunal de Justiça do Paraná, por meio de acórdão unânime que acompanhou voto do Desembargador Laertes Ferreira Gomes, entendeu que é plenamente possível a condenação de administrador que causou dano ambiental, conforme seguinte ementa:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE CAUSAR POLUIÇÃO AMBIENTAL. ARTIGO 54, § 2º, INC. V, DA LEI 9.605/98. CONDENAÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. AFASTAMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE BEM DELINEADAS PELAS PROVAS DOS AUTOS. RÉU QUE DESPEJOU RESÍDUOS DE ÓLEO DIESEL NAS CANALETAS DO POSTO DE GASOLINA QUE ADMINISTRAVA. CAIXAS SEPARADORAS QUE NÃO SUPORTARAM O EXCESSO DE DEJETOS, TENDO ESCOADO GRANDE QUANTIDADE PARA UM CÓRREGO LOCAL. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO. DESEQUILÍBRIOS AMBIENTAIS COM O VAZAMENTO DE AFLUENTES POTENCIALMENTE POLUIDORES. INFRINGÊNCIA CLARA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. ELEMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS QUE DEMONSTRAM A MATERIALIDADE E A AUTORIA DO CRIME AMBIENTAL. ARTS. 158 C/C 167 AMBOS DO CPP, EM COTEJO COM ART. 79 DA LEI 9.605/98. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. DOSIMETRIA. PENA TOTAL APLICADA NO MÍNIMO LEGAL DE UM ANO DE RECLUSÃO. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. INVIABILIDADE. FIXAÇÃO EX OFFICIO DE APENAS UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS, CONSISTENTE EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. ARTIGO 44, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DESPROVIDO, COM A FIXAÇÃO DE OFÍCIO DE APENAS UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.
I - O apelante incorreu em crime ambiental quando agindo com dolo eventual despejou grande quantidade de resíduos de óleo diesel existentes em tanques desativados, nas canaletas do Posto de Combustível que administrava, assumindo o risco de as caixas 2 separadoras não suportarem o alto nível de efluentes e de provocar vazamento direto no meio ambiente dos resíduos de óleo diesel vermelho, substância proibida e altamente poluente, causando poluição ambiental em níveis tais que resultaram ou poderiam resultar em danos à saúde humana, bem como provocar a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora existente no corpo hídrico local.
II - Deve ser ressaltado que a proteção do equilíbrio ambiental, ainda mais no seu aspecto natural, se trata de um bem jurídico de natureza transindividual e difusa, que interessa não só a todos os cidadãos como também às suas futuras gerações, de titularidade indeterminada e cuja lesão não pode ser dividida, afetando a todos indistintamente e por vezes de modo irreversível, tratando-se efetivamente de um bem jurídico de específicas características (cf.CAVEDON, Ricardo. Teoria Geral dos Direitos Coletivos: releitura da racionalidade dos direitos fundamentais gerações. Ed. Juruá, 2015), sendo certo que no presente caso os vazamentos de efluentes e o descarte indevido de óleo diesel no corpo hídrico local pode causar danos graves à saúde humana, mortandade de animais na localidade e também a destruição da flora e dos recursos hídricos existentes no local.
(TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1593355-0 - Ponta Grossa - Rel.: Laertes Ferreira Gomes - Unânime - J. 23.03.2017)
A decisão do Tribunal de Justiça do Paraná afastou a tese de defesa dos gestores e administradores no sentido de que não teria ocorrido a intenção de causar danos ao meio ambiente. No acórdão, o Tribunal entendeu que ocorreu o dolo eventual do gestor, ou seja, ação que importa em correr riscos, consistente em provocar vazamento direto no meio ambiente dos resíduos de óleo diesel vermelho, substância proibida e altamente poluente, causando poluição ambiental em níveis tais que resultaram ou poderiam resultar em danos à saúde humana.
Além do crime ambiental, o Tribunal de Justiça do Paraná também acolheu entendimento de que ocorreu a agravante do tipo penal previsto no artigo 15, II, “c”, da Lei 9.605/98, consistente na ação de afetar ou expor a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou ao meio ambiente.
Na citada decisão, a pena imposta ao administrador empresarial foi de 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, levando-se em conta as circunstâncias do crime. O Tribunal afastou o argumento de defesa de que o gestor não teve intenção de poluir o córrego, aplicando-se, no caso, o princípio da precaução que todos os agentes econômicos devem ter para preservar o meio ambiente.
Relevante importância jurídica – de conotação negativa social – teve o desastre de Mariana/MG. Nesse caso, o Ministério Público Federal denunciou 21 pessoas por homicídio doloso no rompimento da barragem de contenção da mineradora Samarco, distrito de Bento Rodrigues.
A denúncia traz imputação aos gestores, aos administradores e aos sócios das empresas SAMARCO MINERAÇÃO S.A, VALE S.A, B.H.P. BILLITON BRASIL LTDA, por supostos crimes de poluição qualificada, crimes contra a fauna, flora, ordenamento urbano e patrimônio cultural, administração ambiental (previstos na legislação ambiental), além de crimes previstos no Código Penal Brasileiro, como crime de inundação, desabamento/desmoronamento e homicídios, com qualificadores de motivo torpe (aqueles que não permitem defesa para as vítimas), lesão corporal, entre outros (http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco).
Além disso, há relatos de crimes de omissão – consistente no dever e poder agir dos Conselheiros de Administração das empresas – com relação ao desastre ambiental e quanto à recomendação de mudança de localização do reservatório de água e realocação das comunicadas localizadas à jusante da barragem de Santarém.
Até meados de maio de 2016, os processos judiciais que discutiam reparação de danos, indenizações e punições aos gestores e administradores responsáveis, aguardavam decisão do STJ sobre a competência jurisdicional para processar e julgar as ações, ou seja, se seria da Justiça Comum ou da Justiça Federal. Somente em 31 de maio do citado ano, o STJ decidiu que os processos e julgamentos de crimes relativos ao rompimento da barragem da Samarco (fato causador da tragédia de Mariana) deveriam ficar sob responsabilidade da Justiça Federal (processo STJ – CC 144922/MG 2015/0327858-8).
O caso Mariana/MG é exemplo negativo de governança corporativa feita por interesses político-administrativos internos. Em razão do dano ambiental e responsabilização da pessoa jurídica e demais gestores incluídos na ação penal, a ação civil pública que levou ao conflito de competência determinou que a empresa fiscalize e monitore as condições da água do Rio Doce, maculada pelo rompimento, além de prestar este atendimento às pessoas atingidas e apresentar um plano de recuperação dos danos.
A ação civil pública movida pelo Ministério Público com fundamento das leis de proteção ao meio ambiente demonstra, por parte do governo, a inexistência de programa de conscientização ambiental empresarial, com criação de sanções pedagógicas que pudesse alterar o comportamento dos administradores.
Um dos componentes indispensáveis para o quebra de paradigma na mudança do comportamento dos gestores, é a efetivação da educação ambiental prevista na Lei 9795/99. A educação ambiental consiste na criação de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (art. 1º.).
Se a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal, há possibilidade de se edificar políticas de governanças corporativas balizadas em novos sistema de proteção ao meio ambiente.
Como se pode inferir da pesquisa, sob a ótica da política pública, os gestores governamentais têm o dever de fomentar medidas de conscientização dos agentes privados na exploração de riquezas e manutenção das áreas de preservação permanente para a atividade empresarial.
Cabe às empresas fomentar o processo educativo e também criar mecanismos internos de compliance para apuração periódica de fiscalização do cumprimento das leis e princípios que regem a proteção do meio ambiente.
O processo educativo de conscientização de proteção do meio ambiente destaca a empresa como um dos atores protagonistas da manutenção da ordem ambiental, devendo seus gestores criar programas destinados à capacitação dos trabalhadores e stakeholders para a melhoria e o controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como processos produtivos que envolvem o meio ambiente e ecossistemas.
Entre os objetivos atrelados ao controle da proteção ambiental está o estímulo a cooperação entre as organizações para desenvolvimento econômico focado em uma sociedade ambientalmente equilibrada.
Isto porque se de um lado existe o direito da propriedade e a liberdade da exploração da atividade econômica aos detentores do capital, de outro lado subsistem princípios de solidariedade e justiça social que impõem um dever de respeito ao meio ambiente em sua totalidade, com enfoque humanista e participativo, que visem à manutenção da responsabilidade social baseada no desenvolvimento sustentável.
As jurisprudências colacionadas no presente artigo demonstram o início do fortalecimento da reflexão crítica sobre os problemas relacionados ao desenvolvimento econômico e a repercussão das decisões empresariais que afetem o meio ambiente e a sociedade como um todo.
Os julgamentos sobre crimes ambientais, após o desastre de Mariana/MG, tendem a ser mais rigorosos quanto aos riscos da atividade empresarial e às decisões dos administradores. A coleta de informações de interesse ambiental com objetivo de colaborar com os procedimentos de controle e fiscalização ambiental, terá grande importância para governança corporativa das empresas, com a finalidade de possibilitar defesa de gestores e administradores, além de subsidiar ações de gestão ambiental.
Referências
BITTAR, Carlos Alberto (1994). Curso de direito civil. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense.
BRASIL. Constituição (1998). Presidência da República, Casa Civil, subchefia para assuntos jurídicos, promulga Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto: Brasília, 5 de Outubro de 1988. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
_______. Lei nº 6.938/81, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Planalto: Brasília, 31 de agosto de 1981. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
_______. Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências. Senado Federal: Brasília, 22 de Fevereiro de 1989. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7735.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
_______. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Planalto: Brasília, 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
_______. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Planalto: Brasília, 27 de abril de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
_______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Presidência da República, Casa Civil. Institui o Código Civil. Planalto: Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em:<< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>> Acesso em 20 de junho de 2017.
CAVALIERI FILHO, Sérgio (2010). Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas.
MAGALHÃES, F. (1960). Dicionário etimológico Português Latim. Edição especial. São Paulo: editora LEP S.A.
IBAMA (2014). Relatório de acidentes ambientais 2014. Org. Anderson Luis do Valle e Rafaela Mariana Kososki. Julho de 2015. Disponível em: << http://ibama.gov.br/phocadownload/relatorios/acidentes_ambientais/ibama-2014-relatorio_acidentes_ambientais.pdf>> Acessado em 20 de junho de 2017.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria (2007). Técnicas de pesquisa: elaboração e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 6. ed. São Paulo: Atlas.
MIRRA, Álvaro Luiz Valery (2001). Direito ambiental: o princípio da precaução e sua aplicação jurisdicional. Revista de Direito Ambiental. n. 21. pp. 93-95, jan/mar. 2001. São Paulo.
RICHARDSON, Roberto Jarry (1999). Pesquisa social: métodos e técnicas. 3 ed. São Paulo: Atlas.
SILVA, José Afonso da (2013). Direito Constitucional Ambiental. 2. ed. São Paulo: Malheiros.