EDITORIAL
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A prática da sustentabilidade não é fenômeno exclusivo. Também não é único, no sentido de tarefa concluída. Há um consenso de que sustentabilidade é processo, que sugere desdobramentos, que convive com etapas, com significativa dependência entre elas, todas buscando o objetivo comum da atividade sustentável.

Esta lógica de dependência entre etapas sugere que o conceito “sustentabilidade” possui, por exemplo, interação com os diferentes mecanismos da ideia de cadeia produtiva. Esta expressão, cadeia produtiva, embute uma sucessão de operações, todas integradas em diversos estágios técnicos de produção e distribuição. É nessa sequência de etapas que os diferentes insumos, princípios ativos, matérias-primas de todo tipo, passam por transformações até o produto final que o consumidor utiliza. Em cada dessas etapas – e principalmente no todo delas – o conceito de sustentabilidade precisa estar presente.

A sociologia francesa definiu (e depois a norte-americana a seguiu) a consideração de que “sustentabilidade” é conceito que exige maior perspectiva, incluindo o “encadeamento” de todo tipo de modificações que sofre qualquer matéria-prima, com objetivo econômico, ou não. Desde a exploração dessa matéria-prima em seu ambiente natural até seu retorno à Natureza em diferentes formatos, a etapa de produção, a de consumo, até a de eliminação de efluentes ou resíduos. Em todas essas etapas, a lógica de sustentabilidade precisa estar presente.

A compreensão mais ampla da ideia de sustentabilidade implica atenta inclusão de fornecimento, prestação de serviços, tipo de máquina e equipamento utilizado, forma de armazenamento, formato de crédito e até o pós-venda. Sustentabilidade efetiva exige, portanto, a ampla visão da lógica de cadeia produtiva. Por este motivo, o eixo temático do segundo número do Volume 7 da Revista Metropolitana de Sustentabilidade é o impacto expandido da lógica de cadeia produtiva no conceito sustentabilidade.

Os oito artigos desta edição relacionam cadeia de suprimentos e cadeia de valor interligando diferentes produtos, tecnologias e segmentos. Em outras palavras, o eixo temático desta edição da RMS é a busca de uma cadeia produtiva sustentável. Com o espaço que as commodities têm na economia brasileira, a preocupação sustentável da cadeia produtiva no agronegócio ganhou destaque e maior espaço editorial. Mas, este eixo temático incluiu também o artigo sobre o formato sustentável nas conexões de proteção ambiental entre regiões brasileiras, como as pesquisas quanto a cadeia produtiva formada entre sustentabilidade e conceitos científicos, passando também pelo papel do Estado enquanto “organizador” de princípios de sustentabilidade. Os dois artigos que fecham esta edição tratam destes princípios tendo como referência a cadeia produtiva sustentável na saúde pública; primeiro, relacionando saneamento e mortalidade infantil e, depois, no último texto deste número, mostrando os efeitos de sustentabilidade de um sistema de coleta de resíduos orgânicos que respeita a lógica de cadeia produtiva.

Desse modo, o artigo “Abordagem da sustentabilidade nas cadeias de commodities do agronegócio brasileiro a partir de sites governamentais”, que abre esta edição da RMS, de Tamara Pereira Zanella, do Mestrado Profissional em Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE e do Professor do Programa de Pós Graduação em Administração, Edson Luiz Leismann, também da UNIOESTE, tem como objetivo identificar práticas sustentáveis no agronegócio a partir de consistente pesquisa nos sites das secretarias estaduais de Agricultura. O texto destaca o peso da atividade econômica do agronegócio, que atingiu em 2014, 22,54% do produto Interno Bruto, exatamente a partir da integração do setor agrícola e pecuária, englobando desde insumos, sementes e máquinas e equipamentos. Os autores, no entanto, destacam que apesar da representatividade econômica, o setor foi responsável pela emissão de 487 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera do País. A partir da pesquisa nos 27 sites dos estados e do Distrito Federal esta pesquisa identificou tanto especificidades da agricultura de cada estado, como a elaboração de tabelas dos produtos agropecuários mais representativos economicamente, com atenção especial à riqueza das possibilidades de expansão da cadeia produtiva do agronegócio brasileiro. Porém, foi possível identificar nos resultados do estudo o crescimento ainda limitado do debate referente à sustentabilidade no agronegócio. E, também, certa fragilidade na adoção de estratégias práticas e ações eficazes para preservação de recursos naturais e de expansão de políticas ambientais nessa mesma cadeia produtiva.

O segundo artigo desta edição, “Sustentabilidade socioambiental dos terminais intermodais do Brasil: um estudo exploratório”, de Diogo Palheta Nery, do Doutorado em Administração da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, Renato Luiz Sproesser, Professor Associado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Renata Giovinazzo Spers Professora Associada da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, trata da concentração do modal rodoviário na matriz de transportes brasileira. O objetivo da pesquisa foi exatamente analisar a questão da sustentabilidade dos terminais intermodais na logística de grãos na cadeia produtiva do agronegócio brasileiro. A amostra foi composta pela pesquisa em 31 terminais intermodais, com variáveis tanto de dimensão social como ambiental. As conclusões do estudo mostraram as externalidades negativas do modal rodoviário, com baixa utilização de medidas de segurança no trabalho e irregular realização de limpeza e conservação nos terminais. A prevenção e controle da contaminação do solo também foi prática de baixa intensidade nos terminais pesquisados.

A análise dos diálogos entre stakeholders da cadeia produtiva de bovinocultura sobre o tema sustentabilidade foi o objetivo do terceiro artigo deste número da RMS. A pesquisa do professor Dario de Oliveira Lima Filho, da Pós-Graduação m Administração da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, da professora Denise de Barros Azevedo, do Mestrado Profissional da UFMS, da professor visitante da UFMS, Maisa Gomide Teixeira e do Doutor em Educação pela UFMS, Eronildo Barbosa da Silva, “A dimensão ambiental da sustentabilidade em pauta do setor de bovinocultura de corte: análise dos diálogos entre stakeholders sul-mato-grossenses”, foi realizada por meio de entrevistas com representantes da cadeia produtiva do setor além da análise documental e relatórios. Os resultados do estudo evidenciaram diálogos efetivos entre os stakeholders no campo da produtividade técnica sobre genética industrial, financiamentos, sanidade animal, preço final do produto, porém, baixa frequência de diálogos registrados nas questões ambientais e mudanças climáticas. O estudo identificou também assimetria do fluxo de informações nos diferentes elos dessa cadeia produtiva.

O quarto artigo desta edição, “Demonstração do Valor Adicionado (DVA): estudo sobre a destinação da riqueza nas regiões brasileiras”, de Felipe Luiz de Melo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Suliani Rover, professora do Programa de Pós Graduação em Contabilidade da UFSC, Denise Demarche Minatti Ferreira, professora da UFSC e Luiz Felipe Ferreira, professor do Programa de Pós Graduação em Contabilidade da UFSC, trata a questão de cadeia produtiva na referência da concentração de empresas no Sudeste e Sul do Brasil. A concentração provoca maior contribuição econômica e social das organizações para os locais em que se inserem. O artigo mostra como o DVA é ferramenta não só para avaliar riqueza, mas, também, para medir a contribuição dada àquela região. A amostra de pesquisa selecionada, a partir do ranking das100 maiores empresas de cada região, foi analisada a partir de diferentes itens (impostos, pessoal, remuneração de capital, entre outros) para avaliar capacidade de geração e distribuição de renda. Os resultados do estudo evidenciaram que a Distribuição do Valor Adicionado provoca impactos bem diferenciados entre as regiões brasileiras.

A produção de ciência no tema sustentabilidade também inclui a lógica de cadeia produtiva. O quinto e o sexto artigos desta edição da RMS envolvem exatamente este vínculo. “Trajetórias e perspectivas da sustentabilidade e práticas ambientais: uma pesquisa bibliométrica”, da professora do Mestrado em Administração da Faculdade Meridional no Rio Grande do Sul, Eliana Andréa Severo e do professor Juilo Cesar Ferro de Guimarães, da Universidade Federal de Pelotas, tem como objetivo analisar sustentabilidade e práticas de gestão ambiental pela revisão da literatura na base de dados Scopus. A escolha de dois termos, environmental sustentainability e environment mangement practices sustentaram a base da pesquisa com a definição dos periódicos de maior incidência. A busca de indicadores de desempenho ambiental permite a construção de diferentes formatos de organização sustentável. Os resultados da pesquisa mostraram que os empresários permanecem influenciados por três forças, governo, sociedade e mercado, mas preocupações ambientais que antes eram conduzidas por pressões externas à organização, agora são movidos por interesses internos ao ambiente econômico e mercadológico das empresas.

O sexto artigo deste número da RMS, ‘Responsabilidade Social Corporativa e Competitividade: uma análise bibliométrica da evolução do tema”, de Mary Fernanda de Souza de Melo, doutoranda em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo, Rodrigo Trotta Yaryd, da Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo, Roberta Castro Souza, professora da Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo e Willerson Lucas Campos-Silva, doutorando da Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo, tem como objetivo analisar o tema da responsabilidade social em relação à competitividade em um período de 19 anos de publicações no base de dados ISI Web of Science. A amostra de 344 artigos indicou a concentração do tema em apenas 4 periódicos científicos, com a evidência de que foi só a partir de 2006 que as publicações efetivamente trataram do tema, apesar do primeiro artigo datar de 1996. Os resultados da pesquisa identificaram a existência de 11 clusters agrupando os principais temas com duas vertentes estratégicas de análise bem diferenciadas: a visão baseada em recursos e a “escola de posicionamento”.

A pesquisa “Saneamento e saúde pública: análise das relações entre indicadores no Estado do Rio Grande do Norte”, sétimo artigo desta edição, de José Ronaldo Oliveira LIma, do curso de Gestão Pública do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Érica Luana Nunes dos Santos, também do Curso de Gestão Pública do IFRN e de Jássio Pereira de Medeiros, Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor do IFRN, tem como objetivo analisar a correlação entre saneamento e indicadores de saúde enquanto políticas públicas cruzadas. A amostra utilizada na pesquisa foi a do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) com alvo bem definido: analisar número de óbitos e fortalecimento de políticas públicas de saneamento e manejo de águas, entendendo-se política pública como intervenção social de benefício coletivo. A amostra pesquisada sobre mortalidade infantil obedeceu ao intervalo de 22 anos refletindo mudanças “em cadeia” no desenvolvimento econômico, infraestrutura ambiental, bem como atenção à saúde materna e população infantil. Os resultados do estudo evidenciaram correlação de análise entre avanço no abastecimento de água, tratamento de esgoto e coleta de lixo e melhoria nos indicadores de saúde. O estudo sinalizou “parâmetros de prioridade” em investimentos nas cadeias específicas de sustentabilidade econômica, ambiental e de infraestrutura.

O artigo que conclui esta edição, “Sistema de coleta de resíduos orgânicos em nível comunitário em um país em desenvolvimento: estudo de caso em Florianópolis, Brasil”, de Carla Tognato de Oliveira, Mestrado em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina e de Carlos Manuel Taboada Rodrigues, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina trata do desenvolvimento da ação comunitária e sustentabilidade enquanto cadeia de produção. O objetivo do estudo é a identificação geográfica dos pontos de entrega voluntária e da roteirização da coleta de resíduos orgânicos. Os resultados da pesquisa evidenciaram a eficiência do método computacional sobre a rota empírica, com significativa redução das distâncias percorridas e ganhos consideráveis na sustentabilidade de todo o processo.

Boa leitura!

Elza Fátima Rosa Veloso
Editora