Smart City: um Conceito em Construção
Fernanda Rizzon*
Mestranda do PPG em Administração da Universidade de Caxias do Sul
Universidade de Caxias do Sul
E-mail: [email protected]
Janine Bertelli
Mestranda do PPG em Administração da Universidade de Caxias do Sul
Fomento do Instituto Federal do Rio Grande do Sul - IFRS
Universidade de Caxias do Sul
E-mail: [email protected]
Juliana Matte
Mestranda do PPG em Administração da Universidade de Caxias do Sul
Universidade de Caxias do Sul
E-mail: [email protected]
Rosani Elisabete Graebin
Mestranda do PPG Administração da Universidade de Caxias do Sul
Universidade de Caxias do Sul
E-mail: [email protected]
Janaina Macke
Docente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Caxias do Sul
Universidade de Caxias do Sul
E-mail: [email protected]
RESUMO
Na década de 90, iniciaram-se os primeiros estudos buscando desenvolver o conceito de Smart Cities, fundamentados no desenvolvimento, aplicação e utilização de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Devido a sua forte relação com a tecnologia, emergiram diferentes terminologias para caracterizar as Smart Cities, abrindo lacunas no desenvolvimento do conceito e dificultando a caracterização das terminologias propostas. Por tratar-se de um assunto de interesse mundial que permeia o planejamento das cidades e seus investimentos, optou-se por fazer uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de analisar um conceito em construção - Smart City - identificando campos e gaps de pesquisa a serem explorados. A partir da revisão sistemática desenvolvida, observou-se que os artigos analisados são pesquisas recentes, desenvolvidos a partir de 2012, os quais destacaram a necessidade do desenvolvimento e aprofundamento do conceito de Smart Cities, a identificação de novos campos de estudo e gaps de pesquisa. Questões como living lab, Internet das Coisas (IoT), Internet do futuro e ecossistema inovador surgiram como formas de tornar os serviços da cidade e seu monitoramento mais eficaz, interativo e eficiente. Os resultados mostram que as TICs são requeridas pelas Smarts Cities de forma compartilhada, não só em termos de recursos tecnológicos, mas também de conhecimento acerca dos benefícios de usufruir e participar da construção de uma Smart City visando a integração de todos os elementos de forma holística.
Palavras-chave: Smart Cities; Tecnologia da Informação e Comunicação; Cidadão; Revisão Sistemática de Literatura.
Smart City: A Concept under Construction
ABSTRACT:
The first studies aiming at developing a concept for Smart Cities were carried out in the nineties. They were based on the development, application and use of Information and Communication Technologies (ICTs). Due to their strong relationship with technology, the emergence of different terminologies to describe Smart Cities opened gaps in the development of a concept making it difficult to characterize the terminologies being proposed. Since this is a subject of worldwide interest that involves the planning of cities and its investments, the researchers decided to carry out a systematic literature review aiming at analysing the under construction concept of Smart City identifying its areas and research gaps. The study observed that the articles analysed had been carried out from 2012. They often highlighted the need to develop and broaden the concept of Smart Cities. Notions such as “living lab”, “Internet of Things (IoT)”, “internet of the future” and “innovative ecosystem” emerged as ways to make city services and their monitoring more effective, interactive and efficient. The results demonstrate that the development of Smart Cities require the sharing of ICTs and knowledge about the benefits of participating in their construction in order to integrate the holistic elements that intervene in the process.
Keywords: Smart Cities; Information and Communication Technology; Citizen; Systematic Literature Review.
Smart City – Ciudad Inteligente: Concepto en Construcción
RESUMEN:
Los primeros estudios para desarrollar el concepto de Smart Cities - Ciudades inteligentes- basados en el desarrollo, aplicación y uso de tecnologías de la información y comunicación (TIC), se iniciaron en la década de los años 90. Dada su estrecha relación con la tecnología surgieron distintas terminologías para definir dichas ciudades, dando lugar a brechas en el desarrollo del concepto y complicando la definición de las terminologías propuestas. Como se trata de un asunto de interés mundial que va más allá de la planificación de las ciudades y de sus inversiones, se optó por llevar a cabo una revisión sistemática de la literatura con el objeto de analizar un concepto en construcción - Smart City – Ciudad inteligente, para identificar campos y brechas de investigación por explorar. A partir de esta revisión sistemática, se observó que los artículos analizados son estudios recientes, de 2012 en adelante, que realzan la necesidad de desarrollar y ahondar en el concepto de Smart Cities y de identificar nuevos campos y brechas de investigación. Temas como living lab, Internet de las cosas (IoT), Internet del futuro y ecosistema innovador surgieron como formas de tornar los servicios de la ciudad y su manejo más eficaz, interactivo y eficiente. Los resultados indican que las Smart Cities precisan compartir las TIC, no sólo como recursos tecnológicos, sino también para conocer los beneficios de disfrutar y participar de la construcción de una Smart City con miras a integrar todos los elementos de forma holística.
Palabras clave: Smart Cities; Tecnologías de la Información y Comunicación; Ciudadano; Revisión Sistemática de la Literatura.
Desde 3.000 a.c., cidades desenvolveram-se como um meio para o fortalecimento da vida humana e de habitação. O surgimento das cidades foi uma resposta natural para as circunstâncias de vida, mas também teve um impacto profundo e duradouro sobre a evolução da espécie humana como um todo (Schuurman, Baccarne, De Marez, & Mechant, 2012).
Ao longo da história é possível distinguir grandes mudanças no perfil das cidades. No passado, as cidades da era pré-industrial, eram como assentamentos, alguns deles autossuficientes, incorporando funções agrícolas básicas e habilidades técnicas para sua sobrevivência; outros, domínios das elites culturais e religiosas, desenvolvidos para atender às suas necessidades; e outros ainda, desenvolveram-se, primeiramente, como centros de comércio. Mais adiante no tempo, têm-se uma ruptura no desenvolvimento das cidades com o início da Revolução Industrial. Muitas cidades passaram a ser centros de fabricação, tendo seu desenvolvimento determinado pela presença de empresários, disponibilidade de matérias-primas e habilidades técnicas, fontes de energia e meios e elementos para a importação e exportação de produtos manufaturados (Musterd & Ostendorf, 2003).
Novos modelos de cidade surgiram após a Segunda Guerra Mundial dando origem às regiões urbanas. Nestas, setores de serviços tornaram-se dominantes e a conexão com as redes internacionais tornou-se ainda mais importante do que na era industrial. Após a troca de bens e produtos, o intercâmbio de pessoas, capitais e informações emergiu (Castells, 2000). Conhecimento, cultura e criatividade tornaram-se as palavras-chave na compreensão das transformações urbanas e acredita-se que o futuro das cidades será vinculado a estes conceitos (Musterd & Ostendorf, 2003).
Para Capdevila and Zarlenga (2015) cidades podem ser conceituadas como ecossistemas complexos, onde diferentes atores, com interesses diversos são obrigados a colaborar para garantir um ambiente sustentável e uma qualidade de vida adequada. Assim, para esses autores, uma cidade inteligente pode ser descrita como uma cidade que usa TICs para aumentar a qualidade de vida dos seus habitantes, contribuindo para um desenvolvimento sustentável.
Atualmente, as cidades têm como desafio questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, inclusão social, segurança, sustentabilidade, infraestrutura, transporte, habitação, etc. Ao mesmo tempo, o advento de novas tecnologias da informação e comunicação permitiu a democratização da capacidade de produção dos cidadãos que passaram a ter poderes para participar da dinâmica de inovação de suas cidades (Capdevila & Zarlenga, 2015).
A partir do surgimento de novas mídias e TICs, indicadores de desempenho, como o capital social baseado no conhecimento, ganharam terreno. Conceitos como cidades inteligentes, cidades digitais e cidades onipresentes foram desenvolvidos e postos em prática para atingir tanto um competitivo, bem como um impacto sustentável (Caragliu, Del Bo, & Nijkamp, 2009). Assim, o papel do usuário final, do cidadão, no contexto das cidades, está se tornando cada vez mais proeminente. Estudiosos, bem como gestores políticos, parecem concordar que o envolvimento do cidadão é a chave para o desenvolvimento bem sucedido das cidades (Schuurman et al., 2012).
Para Abdala, Schreiner, Costa e Santos (2014) a contribuição do surgimento das cidades inteligentes para uma cidade sustentável está no uso da tecnologia como provedora de valor inteligente com o envolvimento das pessoas, suas relações com o ambiente e a capacidade de desenvolvimento, de adaptação e superação da comunidade local. Assim, a tecnologia e suas aplicações devem ser vistas sob uma perspectiva holística, descentralizada, integradora e participativa, visando a melhoria da percepção e relação das pessoas com o seu ambiente.
A fim de desmistificar o conceito de Smart City, que está relacionado aos conceitos de intelligent city (Komninos, 2002), information city (Castells, 1996), wired city (Dutton, 1987), knowledge city (Yigitcanlar, Velibeyoglu, & Martinez-Fernandez, 2008; Edvinsson, 2006; Ergazakis, Metaxiotis, Psarras, & Askounis, 2007; Dvir & Pasher, 2004), digital city (Yovanof & Hazapis, 2009) ou ubiquitous city (Lee, Han, Leem, & Yigitcanlar, 2008), conceitos esses que compartilham algumas semelhanças, mas concentram-se em um aspecto particular do uso da tecnologia em ambientes urbanos (Capdevila & Zarlenga, 2015). O objetivo deste estudo é analisar o conceito em construção - Smart City - identificando campos e gaps de pesquisa a serem explorados. Para tal, procedeu-se a revisão sistemática de literatura, analisando em profundidade os dez trabalhos de maior relevância (maior número de citações) indexados na base de dados Scopus que relatam o conceito de Smart City.
A partir dos resultados encontrados, foi elaborada uma caracterização dos estudos quanto a sua origem, periódico de publicação e método desenvolvido. Após essa análise inicial, procedeu-se a análise das temáticas desenvolvidas nos estudos e a discussão dos resultados encontrados, finalizando com as conclusões.
O termo Smart City foi criado no início dos anos noventa a fim de conceituar o fenômeno de desenvolvimento urbano dependente de tecnologia, inovação e globalização, principalmente em uma perspectiva econômica (Gibson, Kozmetsky, & Smilor, 1992). Na segunda metade da década de 2000, com o estudo de Giffinger, Fertner, Kramar, Kalasek, Pichler-Milanović and Meijers (2007), o conceito de Smart City ganhou amplitude no debate científico. Giffinger et al (2007) forneceram um modelo de Smart City, entendido como uma cidade composta de seis características construídas sob a combinação inteligente de doações e atividades de autogerenciamento, cidadãos conscientes e independentes e um método para medir e comparar a inteligência urbana. As seis características ou setores em que uma Smart City tem de garantir alta performance, segundo os autores, podem ser identificadas como: economia inteligente; pessoas inteligentes; governança inteligente; mobilidade inteligente; ambiente inteligente e; vida inteligente.
Na literatura atual, Smart City é geralmente caracterizada pela ampla utilização de TIC em infraestruturas tradicionais, bem como para melhorar a participação ativa de capital humano e social (Caragliu et al., 2009; Toppeta, 2010; Dameri, 2013). Essa abordagem baseada em tecnologia é considerada capaz de lidar com diferentes problemas urbanos (Batty, Axhausen, Giannoti, Pozdnoukhov, Bazzani, Wachowicz, Ouzounis, & Portugali, 2012; Lee, Phaal, & Lee, 2013) garantindo, simultaneamente, a qualidade do ambiente urbano e a sustentabilidade do seu desenvolvimento.
Segundo Caragliu et al. (2009) uma cidade pode ser considerada inteligente quando os investimentos em capital humano e social e a tradicional e moderna infraestrutura de TIC são impulsionadores do crescimento econômico sustentável, de uma elevada qualidade de vida e de uma gestão prudente dos recursos naturais através da governança participativa.
Conforme Papa, Galderisi, Majello and Saretta (2015) as definições de Smart City disponíveis atualmente trazem uma variedade de abordagens e interpretações do conceito, porém essa multiplicidade pode ser eficazmente reduzida em duas categorias:
Já para Greco and Bencardino (2014), o conceito de Smart City abrange três tipos de abordagem: 1) uma abordagem tecnocentrada que caracteriza-se por uma forte ênfase em hardware, novas tecnologias e infraestrutura de TIC e que seriam a chave para uma cidade inteligente; 2) uma abordagem centrada no cidadão, onde há grande peso do capital social e humano na definição de cidade inteligente e; 3) uma abordagem integrada que define Smart City como um conjunto das abordagens anteriores, pois uma Smart City precisa garantir a integração entre a tecnologia e o capital humano e social para criar a condições adequadas para um processo contínuo e permanente de crescimento e inovação.
A Figura 1 ilustra os principais conceitos de Smart City encontrados na literatura.
Referência | Definição |
Caragliu et al., (2009) | Uma cidade pode ser considera uma Smart City quando os investimentos em capital humano e social e a tradicional e moderna infraestrutura de TIC serve como impulsionadora de um crescimento econômico sustentável e de uma elevada qualidade de vida, com uma gestão prudente dos recursos naturais através da governança participativa. |
Komninos, Schaffers, & Pallot et al. (2011) | O conceito de Smart City está ligado às noções de competitividade global, sustentabilidade, capacitação e qualidade de vida, apoiados por redes de banda larga e tecnologias modernas. |
Giffinger et al., (2007) | Uma Smart City é uma cidade que está em franco desenvolvimento nestas seis características: economia inteligente; pessoas inteligentes; governança inteligente; mobilidade inteligente; ambiente inteligente e; vida inteligente, construídos com uma combinação de doações e autogerenciamento, com cidadãos independentes e conscientes. |
Nam & Pardo (2009) | Uma Smart City integra tecnologias, sistemas, infraestruturas, serviços e recursos em uma rede orgânica que é suficientemente complexa para desenvolver propriedades emergentes inesperadas. |
Odendaal (2003) | Uma Smart City é aquela que capitaliza sobre as oportunidades apresentadas pela TIC na promoção de sua prosperidade e influência. |
Batty et al., (2012) | Uma Smart City é uma cidade em que as TICs são mescladas com infraestruturas tradicionais, coordenando e integrando o uso de novas tecnologias digitais. Smart Cities também são instrumentos para melhorar a competitividade de tal forma que a comunidade e a qualidade de vida são reforçadas. |
Figura 1. Smart City – Conceitos.
Fonte: Adaptado de Papa, R., Galderisi, A., Majello, M. C. V., & Saretta, E. (2015) Smart and Resilient Cities: a Systemic Approach for Developing Crossectoral Strategies in the Face of Climate Change. TeMa, Journal of Land Use, Mobility and Environment, pp. 19-49, 2015.
Conforme Zanella, Bui and Castellani (2014) o objetivo final de uma smart city é fazer um melhor uso dos recursos públicos, aumentando a qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos, enquanto reduz-se os custos operacionais da administração pública. Washburn, Sindhu, Balaouras, Dines, Hayes and Nelson (2010) complementam que smart cities são cidades que fazem uso de tecnologias de computação inteligente para proporcionar serviços que são críticos para a cidade (administração pública, educação, saúde, segurança, imobiliário, transporte e utilitários) de forma inteligente, interconectada e eficiente.
Para Capdevila and Zarlenga (2015) o conceito de smart city sugere que uma cidade é inteligente quando reforça a inventividade e a criatividade de seus cidadãos. Já Hollands (2008) identifica cinco características principais de uma cidade inteligente: incorporação generalizada das TIC no tecido urbano; desenvolvimento urbano orientado para negócios e uma abordagem neoliberal de governança; foco na dimensão social e humana da cidade a partir de uma perspectiva de cidade criativa; adoção de uma agenda de desenvolvimento de comunidades inteligentes com programas visando à aprendizagem social, educação e capital social e; foco na sustentabilidade social e ambiental.
O discurso sobre smart cities, inicialmente centralizado em temas relacionados à TICs, evoluiu para conceitos que tendem progressivamente a uma visão holística, considerando três fatores principais: tecnologia (infraestrutura de hardware e software), pessoas (criatividade, diversidade, educação) e instituições (política e governança) (Nam & Pardo, 2011; Lee et al., 2013).
Conforme Neirotti, De Marco, Cagliano, Mangano and Scorrano (2014), na era da economia do conhecimento, áreas urbanas devem não só redistribuir a riqueza local, mas também investir na qualidade de vida dos seus cidadãos. Neste contexto, Smart City é uma noção ampla que abrange muitos aspectos socioambientais diferentes e aplicações de TIC. Apesar do recente interesse no tópico, as administrações públicas ainda precisam de apoio para estruturar o conceito de inteligência de uma cidade, capturar suas implicações, identificar pontos de referência a nível internacional e encontrar oportunidades de melhoria.
Cidadãos são os principais atores ou agentes no desenvolvimento de Smart Cities e, portanto, em grande parte moldam padrões da cidade, incluindo padrões sociais, econômicos, ambientais e de governança. Desenvolver redes de cidadãos é uma função crítica para uma cidade frente aos seus esforços de planejamento. Desenvolver capacidades para soluções em rede irá criar fortes comunidades de cidadãos que têm a capacidade de intervir e resolver problemas locais, em coordenação com instituições locais e estruturas de governança (Desouza & Flanery, 2013).
O empoderamento dos cidadãos devido à utilização das TICs (Papa et al., 2015) representa um recurso amplamente enfatizado nas Smart Cities. Refere-se a um processo de “contrato social” que cria uma sensação generalizada de coesão social, uma consciência significativa das questões relevantes para a comunidade e permite as pessoas propor e ativar objetivos e ações comuns (Zani, 2012). Assim, o empoderamento dos cidadãos é uma maneira de apoiar o processo de tomada de decisão com base em uma ampla base de opiniões dos cidadãos e, portanto, assegurar o desenvolvimento de processos mais participativos, colaborativos e capazes de responder eficazmente a necessidade das comunidades locais (Papa et al., 2015).
Para Söderström, Paasche and Klauser (2014) smart cities requerem a criação de novas relações entre tecnologia e sociedade. Uma vez que as tecnologias são oferecidas por empresas de TI, estas são as principais propagadoras dos benefícios que as smart cities oferecem a fim de tornarem-se um ponto obrigatório de passagem na busca da solução para os problemas urbanos (Callon, 1986).
Segundo Sampaio e Mancini (2007) a revisão sistemática de literatura é uma forma de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura sobre determinado tema e que disponibiliza um resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de intervenção específica, mediante à aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada.
O objetivo desta pesquisa foi analisar um conceito em construção – Smart City identificando novos campos de estudo e gaps de pesquisa. Para tal, no presente estudo, de caráter qualitativo exploratório (Hennink, Hutter, & Bailey, 2011; Remler & Van Ryzin, 2011), realizou-se a revisão de artigos que relatam o conceito de Smart Cities. Inicialmente procedeu-se uma pesquisa bibliográfica, pois essa opção permite o acesso a uma fonte de dados que não recebeu um tratamento analítico com o objetivo de buscar novas interpretações para os conceitos estudados (Denzin & Lincoln, 2011; Hennink et al., 2011).
Para isso, foi realizada uma busca na base de dados Scopus, acessando http://www.ucs.br nos links Biblioteca – Bases de Dados – Bases de Dados no Portal de Periódicos da CAPES – Base – Scopus. Não houve limitação de períodos e usou-se como descritor o termo “smart cit*” (cidade(s) inteligente(s)), buscando somente trabalhos que contivessem esse termo como Keyword em artigos indexados na base como pertencentes à área de Social Sciences (Ciências Sociais).
A partir desta consulta, realizada em 01 de julho de 2016, foram localizados 201 registros referentes a esta temática. Assim, foram considerados para esse estudo, apenas os 10 artigos com maior número de citações conforme o ranking da base de dados Scopus para esta data e procedeu-se a revisão sistemática de literatura destes 10 trabalhos.
Esta etapa da pesquisa aborda a descrição das características dos estudos encontrados no desenvolvimento do método de revisão sistemática de literatura e a descrição das temáticas desenvolvidas nos estudos a partir da leitura e análise em profundidade dos documentos.
Na Figura 2 são listadas as origens dos estudos analisados. Quanto à origem dos estudos, percebe-se uma predominância de trabalhos desenvolvidos no continente europeu, ٦٠٪, entre os trabalhos mais citados da temática de smart cities (Capdevila & Zarlenga, 2015; Schuurman et al., 2012; Zanella et al., 2014; Neirotti et al., 2014; Komninos, Pallot, & Schaffers, 2013; Kitchin, 2014). Destacam-se, também, dois estudos desenvolvidos na América do Norte (Söderström et al., 2014; Grabys, 2014).
Contexto Geográfico | Número de Estudos | Autores |
Europa | 6 | Capdevila & Zarlenga (2015); Schuurman et al., (2012); Zanella et al., (2014); Neirotti et al., (2014); Komninos et al., (2013); Kitchin (2014) |
Ásia | 1 | Lee et al., (2013) |
América do Norte | 2 | Söderström et al., (2014); Grabys (2014) |
Austrália | 1 | Jin, Gubbi, Marusic, & Palaniswami (2014) |
Figura 2. Origem dos estudos
Fonte: Elaborado pelas autoras conforme dados da pesquisa.
Quanto aos journals onde estes trabalhos foram publicados, destaca-se o IEEE Internet of Things Journal com duas publicações, o trabalho de Zanella et al. (2014) desenvolvido no continente europeu e o de Jin et al. (2014), desenvolvido na Oceania. A Figura 3 são ilustrados os periódicos dos estudos analisados.
Periódico | Contexto Geográfico | Publicações | Autores |
IEEE Internet of Things Journal | Europa Oceania | 2 | Zanella et al., (2014); Jin et al., (2014) |
Cities | Mundial | 1 | Neirotti et al., (2014) |
GeoJournal | Europa | 1 | Kitchin, (2014) |
Journal of the Knowledge Economy | Europa | 1 | Komninos et al., (2013) |
Journal City | América do Norte | 1 | Söderström et al., (2014) |
Journal Environment and Planning D: Society and Space | América do Norte | 1 | Grabys (2014) |
Journal of Strategy and Management | Europa | 1 | Capdevila & Zarlenga (2015) |
Technological Forecasting & Social Change | Ásia | 1 | Lee et al., (2013) |
Journal of Theoretical and Applied Eletronic Commerce Research | Europa | 1 | Schuurman et al., (2012) |
Figura 3. Periódicos dos artigos publicados
Fonte: Elaborada pelas autoras conforme dados da pesquisa.
A Figura 4 apresenta o delineamento metodológico dos estudos. Percebe-se que dos dez artigos, sete desenvolveram pesquisas empíricas, sendo eles: Capdevila and Zarlenga (2015), Lee et al. (2013), Schuurman et al. (2012), Söderström et al. (2014), Grabys (2014), Neirotti et al. (2014) e Jin et al. (2014). Somente um trabalho apresentou o delineamento metodológico teórico, o trabalho de Kitchin (2014).
Teórico x Empírico | Periódicos | Contexto Geográfico | Autores |
Empíricos | Journal of Strategy and Management; Technological Forecasting & Social Change; Journal of Theoretical and Applied Eletronic Commerce Research; Journal City; Journal Environment and Planning D: Society and Space; Cities; IEEE Internet of Things Journal. | Europa (2) Ásia América do Norte (2) Mundial Oceania | Capdevila & Zarlenga (2015); Lee et al., (2013); Schuurman et al., (2012); Söderström et al., (2014); Grabys (2014); Neirotti et al., (2014); Jin et al., (2014) |
Teóricos | GeoJournal | Europa | Kitchin (2014) |
Teórico-empíricos | IEEE Internet of Things Journal; Journal of the Knowledge Economy. | Europa (2) | Zanella et al. (2014); Komninos et al., (2013) |
Figura 4. Delineamento metodológico dos estudos.
Fonte: Elaborada pelas autoras conforme dados da pesquisa.
Zanella et al. (2014) investigaram o tema Internet das Coisas - Internet of Things (IoT) e sua aplicação nas smart cities. A IoT é um paradigma de comunicação recente que prevê, em um futuro próximo, a integração de objetos da vida cotidiana equipados com micro controladores, transceptores de comunicação digital e protocolos, que irão torná-los capazes de se comunicar com outros objetos e com usuários, tornando-se parte integrante da rrInternet. Os autores acreditam que aplicação do conceito smart city é particularmente atraente para as administrações públicas – locais e regionais – que podem se tornar os primeiros adotantes de tais tecnologias, agindo assim como catalisadores para a difusão do paradigma IoT em maior escala. Os autores criaram o conceito IoT Urbano, no qual desenvolvem sugestões para as administrações públicas na área da saúde, estrutura dos edifícios, gestão de resíduos, qualidade do ar, monitoramento de ruído, tráfego, consumo de energia, estacionamento, iluminação, automação e salubridade de edifícios públicos. Na segunda parte do artigo, os autores inserem sugestões técnicas para o enfoque da Internet e rede, como os tipos de formatos de dados, aplicações e camadas de transporte, plataformas de rede, conversão de nome de domínio, mapeamento de rede, tecnologias de camada de Link B, dispositivos, gateways e periféricos. Por fim, os autores apresentam o projeto “Padova Smart City” no qual descrevem a implantação prática de soluções inovadoras da IoT na cidade de Pádova, na Itália, com o objetivo de uma adoção rápida de dados abertos e soluções de TIC na administração pública.
Neirotti et al. (2014) analisaram os domínios e os fatores que podem influenciar a maneira como as cidades optam por desenvolver iniciativas de smart city. Os domínios são divididos em hard, tais como: redes energéticas, iluminação pública, gestão de resíduos, meio ambiente, transporte e mobilidade, escritórios e edifícios residenciais, cuidados de saúde, segurança pública; e soft, tais como: educação e cultura, assistência social e inclusão, administração pública e economia. Os autores investigaram uma amostra de 70 cidades que afirmaram ter desenvolvido projetos e melhores práticas de smart city em um ou mais desses domínios. O objetivo do estudo foi identificar os campos com maior difusão de iniciativas de smart city em todo o mundo e detectar semelhanças e diferenças nos padrões de tendência de smart city em todos os continentes. As conclusões encontradas evidenciaram que não há nenhum projeto predominante para as smart cities. Os autores descobriram que cidades que apresentam maior desenvolvimento econômico e urbano, com democracias “abertas”, apresentam maiores investimentos em áreas que estão relacionadas ao desenvolvimento de capacidades inovadoras. As cidades que estão mais ativas nos domínios que são destinados a melhorar sua capacidade de “sentir e agir” através de sistemas TIC, são menos propensas a diferenciar as iniciativas lançadas para domínios soft relacionados ao capital humano, herança cultural e inovação. O número de domínios cobertos por iniciativas inteligentes não pareceu estar correlacionado com o tamanho de uma cidade, mas é significativamente correlacionado com a densidade demográfica. A densidade demográfica é um fator crítico que possibilita o desenvolvimento de iniciativas de smart cities devido ao aumento de problemas relacionados ao congestionamento urbano em vários níveis da infraestrutura física, por exemplo, transporte, gestão de resíduos, distribuição de água e de energia.
Kitchin (2014) afirmou que cidade inteligente é aquela cuja economia e a governança está sendo conduzida pela inovação, pela criatividade e pelo empreendedorismo, sendo promulgada por pessoas inteligentes. O autor trouxe exemplos e detalhes de como cidades estão sendo instrumentadas com dispositivos digitais e infraestrutura que produzem big data, ou seja, grande volume de dados. O uso da computação por meio de dispositivos digitais construídos no próprio ambiente urbano, as redes de telecomunicações fixas ou sem fio, as redes digitais que controlam serviços de infraestrutura, os sensores e câmeras usados para monitorar, gerenciar e regular os processos e os fluxos da cidade em tempo real, além dos smartphones, usados pelo cidadão urbano para se localizar e produzir dados sobre si mesmo, tais como localização e atividade, esse universo todo de dados é visto como material essencial para concretizar uma visão inteligente da cidade. O autor concluiu que a produção de dados sofisticados e em quantidade favorece a compreensão, o monitoramento, a regulação e o planejamento da cidade, permitindo a análise em tempo real de diferentes sistemas e a interconexão entre eles. Isso favorece o cidadão, pois fornece uma visão do desenvolvimento da cidade e de como ela funciona e favorece os governos, pois essa imensidão de dados propicia melhores possibilidades de gestão eficaz. Em contrapartida, o autor aborda como preocupações as questões de segurança de dados, possíveis bloqueios tecnológicos, a vulnerabilidade dos sistemas e como isso poderia impactar nas cidades inteligentes.
Jin et al. (2014) citam que a cidade inteligente é aquela que usa as TICs para fazer os serviços da cidade e seu monitoramento mais eficaz, interativo e eficiente. Abordam as motivações de se construir uma cidade inteligente e o uso da Internet das Coisas na infraestrutura da cidade concentrando-se, particularmente, em um projeto de arquitetura de rede. O artigo propôs um plano para o desenvolvimento de uma cidade inteligente por meio da IoT. Esse plano procura garantir a prestação de serviços essenciais e a qualidade de vida para todos os habitantes da cidade. Os autores identificaram pilares de algumas cidades inteligentes em três domínios diferentes: em rede, na nuvem e em dados. Esses pilares fornecem abordagens e resoluções para atender normas que correspondem às necessidades de comunicações, computação e gestão da cidade inteligente, seu desenvolvimento e implantação. Os autores apresentaram um estudo de caso, que mapeou o ruído urbano, desenvolvido em parceria com a cidade de Melbourne. O Conselho da Cidade de Melbourne apoiou vários estudos para implementação de aplicações de IoT e a partir destes estudos, tornou-se clara a necessidade de comunicação comum, armazenamento de dados e infraestrutura de processamento. O modelo desenvolvidos pelos autores é capaz de estender-se a um quadro de informações urbanas mais genérico, construído com base na tecnologia que permite a coleta de dados eficiente, possibilitando realizar medições e a compreensão e visualização de vários parâmetros do ambiente urbano.
Komninos et al. (2013) apresentaram o conceito de cidades inteligentes, o papel decisivo da Internet, o envolvimento do cidadão e a inovação orientada pelo usuário. O artigo abordou questões como o living lab, Internet do futuro, ecossistema inovador e o processo para tornar-se uma cidade inteligente. Os autores desenvolveram teorias para tópicos como: cidades e a necessidade de inovação social; cidades como sistemas sociais complexos; cidades inteligentes e as iniciativas de inovação envolvendo pessoas; soluções tecnológicas para cidades inteligentes e; cidades inteligentes e living labs. O estudo de caso múltiplo envolvendo quatro cidades esclareceu quais os componentes da estratégia para uma cidade inteligente, os ecossistemas de inovação aberta orientados para o usuário, a infraestrutura de banda larga e aplicativos e os serviços online que são componentes estratégicos que propiciam ambientes urbanos inteligentes. Foram abordados o case de Barcelona e sua transformação de uma aglomeração tradicional para uma metrópole do século XXI, o case de Thessaloniki, destacando como uma cidade, que por meio da implantação de redes de banda larga, espaços urbanos inteligentes e serviços eletrônicos está tornando-se competitiva e sustentável, o case de Manchester, vista como original e moderna cidade do mundo industrial e o case de Helsínquia que, por meio do desenvolvimento de um grupo que visa desenvolver aplicações móveis, utilizando dados abertos, implantou serviços de smart city. Os autores concluíram dizendo que o objetivo do trabalho foi abordar as características do ecossistema de inovação inteligente e elucidar o conjunto de todas as noções de smart city: interconectadas, instrumentadas, abertas, integradas, inteligentes e inovadoras, compondo uma estrutura de planejamento chamada de Modelo de Referência de Cidade Inteligente.
Söderström et al. (2014) abordaram o surgimento do termo Smart City na esfera pública, uma vez que envolve gestão urbana e desenvolvimento, os quais requerem investimentos públicos. As cidades se rotulavam como “smart” quando elas introduziam TIC em sua infraestrutura, governança eletrônica ou para atrair indústrias de alta tecnologia para promover o crescimento econômico. As tecnologias desenvolvidas por empresas de TI resultam do esforço destas empresas para se tornarem ponto de passagem obrigatório – OPP. O OPP pode ser definido como uma empresa, uma instituição, um local ou um procedimento que é inevitável para o desenvolvimento e implementação de tecnologias, uma vez que estas irão fornecer “as soluções” tecnológicas para que as smart cities se tornem viáveis (Callon, 1986). Os autores apresentam o caso da IBM, uma empresa privada, a qual, em 2011, registrou a marca “cidades mais inteligentes” para a definição de um modelo inteligente de gestão urbana e a sua campanha para se tornar uma empresa OPP na implementação destas tecnologias para o desenvolvimento urbano sustentável e eficiente. Os autores concluem que este discurso promove uma concepção informativa e tecnocrática de gestão urbana, onde dados e software parecem ser suficientes para a solução de todos os problemas existentes nas cidades e que o conhecimento, a interpretação e os conhecimentos temáticos específicos parecem ser supérfluos, perpassando o coletivo social e político.
Grabys (2014) apresentou a preocupação com o papel do cidadão e o exercício de sua cidadania em contraponto com o monitoramento e gerenciamento de dados nas smart cities. A autora apresenta um estudo de caso particular, o The Connected Sustainable Cities (CSC), desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pela Cisco no quadro da iniciativa de Connected Urban Development (CUD). O projeto CSC executa distribuições de governança via propostas de ambientes sustentáveis, inteligentes e eficientes, através de cenários de computação ubíquos para se adaptar à cidades existentes e hipotéticas. A proposta do projeto defende a smart city como chave para resolver problemas de escassez de recursos e mudanças climáticas (Mitchell & Casalegno, 2008). Neste sentido, o cidadão é um ponto de dados, sendo um gerador de dados monitorando ambientes e interagindo com sistemas inteligentes, dando o feedback. Segundo a autora, a smart city ainda gera perguntas sobre a política de exclusão urbana, sobre quem é capaz de ser um cidadão participante em uma cidade que é alimentada por meio do acesso a dispositivos digitais. Dentro das propostas do CSC, existe a possibilidade de que em uma possível falha ou limitação da capacidade de resposta humana - falta de interesse - o sistema possa operar por conta própria. Ainda para a autora, os dados que se desenvolvem com estas práticas são geradores de práticas de monitoramento de ambientes e atividades enquanto ativam modos de governança ambientais que estão localizados não exclusivamente na competência das autoridades públicas, mas que também podem se estender para as empresas de tecnologia que possuem, gerenciam e usam os dados urbanos. A autora conclui que os cenários de CSC poderão servir como provocação para pensar em como fazer experiências com imaginários urbanos e práticas, a fim de que o cidadão não seja governado como um mero distribuidor de tecnologia ambiental e em como se dará o exercício da cidadania.
Capdevila and Zarlenga (2015) trouxeram em seu artigo o conceito de cidades inteligentes, tipos de abordagem de gestão - de cima para baixo e de baixo para cima e apresentaram o case da cidade de Barcelona. Os autores desenvolveram um estudo de caso com entrevistas e análise documental, abordando governos, instituições culturais e empresas envolvidas no case. O artigo conclui que o conceito de cidade inteligente é fortemente dependente da adoção de tecnologia e que essa tecnologia e as infraestruturas relacionadas são pré-requisitos para uma cidade inteligente, mas não o suficiente. Segundo os autores, as infraestruturas e tecnologias serão inúteis se os cidadãos que deveriam se beneficiar delas não as utilizarem. Para os autores, o aspecto humano/social/comunitário da cidade inteligente não foi suficientemente integrado nas políticas de cidade inteligente e pesquisas subsequentes. Os autores acreditam que fortalecer a cidadania e distribuir os recursos tecnológicos aos diferentes atores e territórios também aumenta sua resiliência quando os atores centrais bem como atores periféricos têm acesso ao conhecimento e recursos para desenvolver soluções criativas e inovadoras, concluindo que, além de considerar os cidadãos como usuários, testadores ou consumidores de tecnologia, as administrações locais que são capazes de identificar, nutrir e integrar as iniciativas dos cidadãos, contribuirão para o reforço de uma realidade de cidade inteligente.
Lee et al. (2013) apresentaram conceitos de cidade inteligente e conceitos para a elaboração de roteiros em tecnologia e de qualidade na implantação destes roteiros. Os autores desenvolveram um estudo de caso a partir do desenvolvimento de uma metodologia de implantação de estratégias para uma cidade inteligente baseada em tecnologia na Coréia do Sul. Este artigo descreve o desenvolvimento de um roteiro de cidade inteligente, com ênfase sobre sistemas de classificação, desenvolvimento de formatos e acumulação de banco de dados de informações relacionadas aos dispositivos inteligentes, tecnologias e serviços necessários para desenvolver o roteiro. Os roteiros desenvolvidos forneceram uma visão abrangente e unificada das tendências atuais e futuras para o desenvolvimento de cidades inteligentes, uma vez que não havia nenhuma orientação estratégica prévia disponível na Coréia. O roteiro aponta para as práticas recomendadas para o desenvolvimento da cidade inteligente, criando uma plataforma integrada de conhecimento fundamentada em trajetórias tecnológicas. Os autores mostraram que através do processo de elaboração de roteiros, que envolveu uma série de oficinas, entrevistas em profundidade e pesquisas, o processo de elaboração se tornou uma plataforma de comunicação, permitindo a troca de conhecimento dentro da equipe de projeto, incluindo o desenvolvimento de serviços, plataformas integradas, legislação e regulamentação política e o desenvolvimento de dispositivos/tecnologias. Os autores concluíram que um dos desafios no desenvolvimento do roteiro integrado estava em lidar com o grande número de pesquisadores e outras partes interessadas, para permitir uma visão ampla e abrangente.
Schuurman et al. (2012) desenvolveram o conceito de cidade inteligente e o envolvimento de usuários em processos de inovação. Realizaram um estudo de caso empírico na cidade de Gent, na Bélgica, por meio de um projeto de crowdsourcing envolvendo os cidadãos, objetivando o desenvolvimento de uma “cidade inteligente em laboratório” com as ideias apresentadas em uma plataforma de pesquisa online e selecionadas por cidadãos e especialistas das áreas onde houve sugestões para desenvolvimento de ações. Os resultados mostraram que as ideias de uma seleção de crowdsourcing oferecem benefícios aos usuários significativamente mais relevantes do que as ideias de uma seleção por profissionais. Os usuários pareceram ser mais capazes de selecionar as ideias que fornecem soluções para seus problemas e necessidades do que os peritos. Assim, os autores concluíram que quando os resultados do crowdsourcing seletivo diferem fundamentalmente das políticas e objetivos da cidade, isso indica uma lacuna entre a cidade e seus cidadãos. Assim, adotar abordagens centradas no usuário para a inovação da cidade pode ajudar os governos da cidade e decisores políticos a se aproximar dos cidadãos, um dos aspectos fundamentais no processo de desenvolvimento de cidades inteligentes.
A partir da revisão sistemática da literatura, pôde-se obter os resultados descritos a seguir, que relacionam as dez pesquisas mais citadas na temática de smart cities e suas descobertas visando ampliar o olhar sobre o conceito de Smart City, agora não mais centrado exclusivamente na aplicação de TICs, mas também no envolvimento do cidadão, na governança sustentável, eficiente e participativa. Vale destacar que os dez trabalhos analisados foram publicados nos últimos quatro anos, sendo o mais antigo publicado em 2012, apresentando assim, uma temática de pesquisa atual e que apresenta gaps para pesquisas futuras.
Assim, Figura 5 sintetiza os achados dos estudos analisados.
Autor | Conceitos encontrados |
Zanella et al. (2014) | Internet das Coisas; Administração Pública; Soluções em Tecnologia da Informação. |
Neirotti et al. (2013) | Macro e Micro Ambiente Urbano; Inovação; Tecnologia da Informação. |
Kitchin (2014) | Big Data; Cidadãos Inteligentes; Segurança de Dados. |
Jin et al. (2014) | Tecnologia da Informação Aplicada a Serviços; Arquitetura de Rede. |
Komninos et al. (2013) | Internet; Envolvimento do Cidadão; Inovação. |
Söderström (2014) | Gestão Pública; Tecnologia da Informação e Comunicação; Redes. |
Grabys (2014) | Papel do Cidadão; Gerenciamento de Dados; Governança Participativa; Tecnologia. |
Capdevila and Zarlenga (2015) | Tecnologia; Envolvimento do Cidadão; Distribuição de Conhecimento e Recursos. |
Lee et al. (2013) | Modelo para Smart City; Tecnologia; Gestão de Pessoas. |
Schuurman et al. (2012) | Envolvimento do Cidadão; Inovação; Gestão Pública. |
Figura 5. Síntese dos achados.
Fonte: Elaborado pelas autoras conforme dados da pesquisa.
Zanella et al. (2014), os autores com maior número de citações nesta pesquisa, relacionaram os conceitos de Internet das Coisas e sua aplicação no desenvolvimento de smart cities. Os autores consideram o conceito de smart city atraente para a administração pública, local e regional, pois os mesmos auxiliam na elaboração de estratégias para a gestão em saúde, planejamento urbano, meio ambiente, energia e qualidade de vida. Para ilustrar esses conceitos, os autores apresentaram o projeto Pádova Smart City aplicando soluções de TI na administração pública.
Já Neirotti et al. (2013), que desenvolveram um estudo de caso múltiplo envolvendo 70 cidades, de diversas partes do globo, analisaram os fatores que podem influenciar a maneira como as cidades optam por desenvolver iniciativas de smart cities. Os fatores abordados pelos autores são decompostos em tamanho e densidade demográfica, desenvolvimento econômico, políticas ambientais e fatores específicos de cada país, que incluem a cultura, a política e a educação. Para tal, os autores investigaram 70 cidades que afirmaram desenvolver projetos de smart cities buscando identificar semelhanças e diferenças nos padrões e tendências para smart cities. Assim, concluíram que cidades que apresentam maior desenvolvimento econômico e urbano são aquelas que investiram em inovação. As cidades que estão iniciando seus processos de aplicação de TI são menos hábeis em diferenciar iniciativas de smart cities. Os autores complementam que iniciativas para o desenvolvimento de smart cities são correlacionadas com a densidade demográfica, pois esse fator ocasiona problemas relacionados a mobilidade urbana e infraestrutura das cidades que pedem soluções rápidas, eficientes e inteligentes.
Kitchin (2014) afirmou que uma smart city é aquela que está sendo promulgada por pessoas inteligentes. As aplicações tecnológicas relacionadas ao Big Data, tanto a nível de gerenciamento público quanto à nível do cidadão são consideradas essenciais para o desenvolvimento de uma cidade inteligente, pois propiciam uma gestão eficaz. Em contrapartida, o artigo aborda questões relacionadas à segurança de dados e bloqueios tecnológicos que poderiam impactar nas cidades inteligentes. O envolvimento dos cidadãos também é destacado no trabalho de Komninos et al. (2013), que apresentaram o conceito de smart cities, o papel da internet, o envolvimento do cidadão e principalmente a inovação orientada pelo usuário.
Os autores Komninos et al. (2013) apresentaram um estudo de caso múltiplo envolvendo quatro cidades, buscando esclarecer quais as estratégias para uma cidade inteligente enfatizando ambientes urbanos inteligentes. Foram abordados o case de Barcelona mostrando o desafio de transformar uma metrópole em smart city, Thessalaniki, que por meio da implantação de espaços urbanos inteligentes com serviços eletrônicos tornou-se uma cidade competitiva e sustentável. O case de Manchester, uma cidade essencialmente industrial que buscou agregar os conceitos de smart city ao seu contexto e Helsínquia que por meio do desenvolvimento de aplicativos formatados por grupos envolvidos no conceito de smart city adotou soluções tecnológicas para seu desenvolvimento urbano. Os autores concluíram que para se ter um modelo de referência para cidades inteligentes são necessárias estruturas interconectadas, instrumentadas, abertas, integradas, inteligentes e inovadoras.
Para Jin et al. (2014), uma smart city é aquela que usa a tecnologia da informação e comunicação para fomentar os serviços da cidade de forma mais interativa e eficiente em uma rede. Assim, os autores propuseram um plano de aplicação de ferramentas tecnológicas e de comunicação voltadas para o atendimento as necessidades dos cidadãos e que pode ser replicado em outros contextos frente ao seu uso por meio da Internet das Coisas, conceitos também trazidos por Zanella et al. (2014).
Para ilustrar seu modelo, os autores Jin et al. (2014) apresentaram o case da cidade de Melbourne, que apoia o desenvolvimento e implementação de aplicações de Internet das Coisas através do mapeamento de ruídos de forma eficiente, destacando seu uso prático.
Dando continuidade, Söderström et al. (2014), relataram o surgimento do conceito de smart city na esfera pública. Os autores apresentaram o case da IBM que desenvolveu um modelo inteligente de gestão urbana e sua campanha para tornar-se uma empresa OPP na implementação de tecnologias para o desenvolvimento urbano sustentável e eficiente.
Já Grabys (2014) apresentou a preocupação com o papel do cidadão e o exercício da sua cidadania em contraponto com o monitoramento e gerenciamento de dados nas smart cities. A autora apresenta um projeto desenvolvido pelo MIT e pela Cisco visando o desenvolvimento urbano conectado, com foco no atendimento de questões relacionadas ao clima e a escassez de recursos. A autora concluiu que a principal forma com a qual a sustentabilidade será alcançada dentro das smart cities é através de processos mais eficientes e cidadãos responsivos que participam da detecção e do monitoramento ambiental.
Na sua pesquisa, Schuurman et al. (2012), apresentaram o conceito de uma cidade inteligente “em laboratório” por meio do desenvolvimento de uma plataforma de crowdsourcing envolvendo especialistas em planejamento urbano e cidadãos na cidade de Gent, Bélgica. Foi observado pelos autores que existe uma lacuna entre o que os especialistas acreditam ser essencial para uma smart city e as reais necessidades dos cidadãos. Os autores concluíram que adotar abordagens centradas no cidadão pode ajudar os governos a minimizar essa lacuna, potencializando o desenvolvimento de smart cities que atendam às necessidades de seus usuários.
Ambas as pesquisas, de Grabys (2014) e de Schuurman et al. (2012), enfatizam a importância do envolvimento do cidadão em iniciativas para smart cities a fim de que o processo de implementação e planejamento de ações atenda as reais necessidades dos munícipes e sejam implementados em todo o seu potencial.
Em seu trabalho, Capdevila and Zarlenga (2015), apresentaram o case da cidade de Barcelona, desenvolvido por meio de entrevistas e análise documental envolvendo governos, instituições culturais e empresas. Os autores concluíram que não basta as cidades possuírem ferramentas tecnológicas para o seu desenvolvimento se o cidadão não as utilizar ou se beneficiar delas. Os autores concluíram que os aspectos humanos, sociais e comunitários da cidade inteligente não foram suficientemente integrados nas políticas para Barcelona como uma cidade inteligente. Os autores acreditam que fortalecer a cidadania e a acessibilidade do cidadão as ferramentas tecnológicas e ao conhecimento fomenta o desenvolvimento de iniciativas criativas e inovadoras, além de colocar o cidadão como ator ativo do processo, também corroborando os resultados de Grabys (2014) e de Schuurman et al. (2012).
Para finalizar, Lee et al. (2013), descreveram o desenvolvimento de um roteiro de cidade inteligente baseado em um estudo de caso, abordando uma metodologia de implantação de estratégias focadas em tecnologia na Coréia do Sul. Os roteiros desenvolvidos forneceram uma visão das tendências para o desenvolvimento de cidades inteligentes. Os autores mostraram que através da elaboração de roteiros tornou-se possível o desenvolvimento de uma plataforma de comunicação permitindo a troca de conhecimento entre os atores envolvidos no processo para o fomento de tecnologias de suporte a cidades inteligentes.
Tendo em vista o objetivo desta pesquisa de analisar um conceito em construção – Smart City identificando novos campos de estudo e gaps de pesquisa por meio de uma revisão sistemática de literatura, após a leitura e análise dos artigos encontrados na base Scopus, percebe-se a relevância dos conceitos e temáticas relacionadas as Tecnologias da Informação e Comunicação e a Internet das Coisas como mediadoras dos processos de planejamento, desenvolvimento, implementação e avaliação de processos de transformação urbana envolvendo ferramentas visando tornar as cidades smart cities.
Porém, a implantação de tecnologias mostrou-se insuficiente para que uma cidade se torne uma smart city. O envolvimento do cidadão, de forma responsiva e participativa provou-se fundamental para o desenvolvimento e implementação com sucesso de processos e metodologias para cidades inteligentes. Assim, o cidadão precisa ser “chamado” a participar do desenvolvimento de sua cidade, precisa estar inserido em iniciativas de compartilhamento do conhecimento e de dados sobre o que está sendo proposto para a sua cidade, precisa estar engajado de forma ativa em iniciativas que visam a melhoria de seu ambiente individual e social para que suas reais necessidades sejam atendidas.
Apesar de todo o investimento em tecnologias para tornar-se uma cidade smart, se não houver a participação e se não for observado o aprendizado social destas mudanças, elas poderão não atingir o propósito de integração e interligação dos diferentes sistemas que regem a vida em sociedade. Especialistas em planejamento urbano, governos e empresas podem ser influenciados por interesses que não o benefício coletivo da comunidade/cidade onde estão inseridos, destacando assim, a relevância do cidadão como ator ativo do processo, exigindo mudanças e ações que atendam aos seus anseios enquanto usuário dos serviços e da estrutura de sua cidade e como agente de mudança de seu meio.
A adoção de iniciativas de smart cities surge para atender a demandas atuais a nível local, de nação e global. A preocupação com a escassez de recursos naturais e produtivos, recursos energéticos, densidade demográfica, conflitos étnicos, culturais e sociais, necessidade de melhor gerenciamento e planejamento dos espaços urbanos como um todo despontam como “provocadores”, estimuladores de um processo de mudança que urge em necessidade de planejamento, desenvolvimento e ação para que seja possível o surgimento de cidades inteligentes, governança inteligente e consequentemente, cidadãos inteligentes e engajados em processos de mudança.
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