INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA POR EMPRESAS NA REGIÃO DA GRANDE FLORIANÓPOLIS/SC
Ana Karina Hahn
Mestre em Administração e pesquisadora da UNISUL
E-mail: [email protected]
Jackson Cittadin
Mestre em Administração e pesquisador da UNISUL
E-mail: [email protected]
Simone Sehnem*
Doutora em Administração e Turismo e Professora Titular da Universidade do Oeste de Santa Catarina
E-mail: [email protected]
Nei Antonio Nunes
Doutor em Sociologia Política e Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina
E-mail: [email protected]
Resumo
Ao investigar as ações de uma ONG situada na grande Florianópolis/SC que visa a inserção profissional de pessoas com deficiência (PCDs), este artigo procurou avaliar em que medida as suas práticas viabilizavam a inclusão social. Para a consecução desta pesquisa, foi escolhido o método de estudo de caso. Foram realizadas entrevistas em profundidade com gestores da instituição, além de análise de documentos e de depoimentos de membros das empresas, como também de alunos/deficientes e de seus familiares. Observou-se que, para promover a inserção no mercado de trabalho, a ONG conta com a participação de APAES e de Empresas. Todavia, a maior parte das empresas emprega as PCDs objetivando, sobretudo, cumprir as cotas legais. Isso pode ser visto como um indicativo de que é atribuída, por parte das Empresas que ofertam as vagas de emprego, reduzida importância aos benefícios individuais, corporativos e sociais que podem ser gerados com essa ação. Outro dado de relevância, ainda pouco explorado na literatura, é a constatação de que a tendência dos pais à superproteção funciona como uma espécie de resistência ao processo de inclusão profissional dos filhos tidos como possuidores de alguma deficiência. Sobre os benefícios gerados pela inserção profissional, os depoimentos de PCDs confirmam a mudança que esta pode causar em suas vidas. Relatos apontam sensação de independência e a ampliação da autoestima geradas pela inserção profissional (e social). Assevera-se, por fim, que a inclusão profissional das PCDs, se orientada para promoção de maior autonomia individual e social, pode se constituir como uma prática de inovação social.
Palavras-chave: Pessoas com Deficiência; Inserção Profissional; Inovação Social; Inovação Inclusiva; Inclusão Profissional/Social.
SOCIAL INCLUSION OF PERSONS WITH DISABILITIES IN BIG COMPANIES IN THE REGION FLORIANÓPOLIS/SC
Abstract
While investigating the actions of an NGO located in Florianopolis / SC aimed at professional integration of people with disabilities (PCDs), this article aims to assess the extent to which their practices made feasible social inclusion. To achieve this research, the case study method was chosen. Interviews were conducted in-depth with the institution’s management, and analysis of documents and statements from members of the companies, as well as students / disabled and their families. It was observed that, to promote the integration into the labor market, the NGO with the participation of APAES and companies. However, most of the companies employing the PCDs aimed, above all, meet legal quotas. This can be seen as an indication that is attributed, by the companies that offer the jobs, reduced importance to individual, corporate and social benefits that can be generated with this action. Another fact of importance, still little explored in the literature is the fact that the tendency of parents to overprotection functions as a kind of resistance to the professional inclusion process of children born as having a disability. On the benefits generated by the professional insertion, the PCDs testimonials confirm the change that this can have on their lives. The speeches highlighted, for example, the feeling of independence and expansion of self-esteem generated by employability (and social). , Is finally asserts that the professional inclusion of PCDs, is geared towards promoting greater individual and social autonomy, can be constituted as a practice of social innovation.
Keywords: People with Disabilities; Professional insertion; Social innovation; Inclusive innovation; Inclusion Professional/Social.
INCLUSIÓN SOCIAL DE LAS PERSONAS CON DISCAPACIDAD EN GRANDES EMPRESAS EN LA REGIÓN FLORIANÓPOLIS / SC
Resumen
Al investigar las acciones de una organización no gubernamental con sede en Florianópolis / SC dirigido a la integración laboral de personas con discapacidad (PCDs), este artículo busca evaluar en qué medida sus prácticas hechas inclusión social viable. Para lograr esta investigación, se eligió el método del caso. Se realizaron entrevistas en profundidad con la gestión de la institución, y el análisis de los documentos y las declaraciones de los miembros de las empresas, así como los estudiantes / discapacidad y sus familias. Se observó que, para promover la integración en el mercado laboral, la ONG con la participación de APAES y empresas. Sin embargo, la mayoría de las empresas emplean las PCD destinados, sobre todo, cumplir con las cuotas legales. Esto puede ser visto como una indicación de que se le atribuye, por las empresas que ofrecen los puestos de trabajo, la reducción de importancia a los beneficios individuales, corporativos y sociales que se pueden generar con esta acción. Otro dato de relevancia, aún poco explorado en la literatura es el hecho de que la tendencia de los padres a las funciones de la sobreprotección como una especie de resistencia al proceso de inclusión laboral de los niños tomados como persona con discapacidad. Acerca de los beneficios generados por la inserción profesional, los testimonios PCDs confirman el cambio que esto puede tener en sus vidas. Los informes indican el sentido de la independencia y la expansión de la autoestima generada por la inserción profesional (y social). , Es finalmente afirma que la inclusión laboral de PCD, se orienta hacia la promoción de una mayor autonomía individual y social, puede estar constituido como una práctica de la innovación social.
Palabras clave: Las personas con discapacidades; la inserción profesional; La innovación social; La innovación inclusiva; Inclusión Profesional/Social.
1 INTRODUÇÃO
Hoje, no Brasil, milhares de pessoas sofrem algum tipo de discriminação, dentre elas, as que são consideradas possuidoras de alguma deficiência física ou mental. Cabe assinalar que a discriminação social de sujeitos que apresentam necessidades especiais não é um fato recente. Ao longo da história, inúmeros são os casos nos quais a sociedade inabilita os portadores de deficiência, marginalizando-os e privando-os de uma convivência social ativa. Mesmo nas sociedades modernas, marcadas pelo ideário da igualdade e liberdade político-social, os deficientes (leia-se também: “anormais”) não contaram, efetivamente, com o reconhecimento legal e social atribuído aos cidadãos dos Estados considerados democráticos e de direito. Ressalte-se, além disso, que tanto na modernidade quanto nos dias atuais um dos espaços nos quais se verifica a exclusão desses sujeitos é o mercado de trabalho.
Na visão de Sassaki (2006), para combater as formas de discriminação presentes no mundo do trabalho e no mercado é necessário que distintos atores sociais unam forças como condição de possibilidade para maior inclusão profissional. Para tanto, é mister que a sociedade supere velhos hábitos e preconceitos, e se adapte a novas condições/situações que permitam a aceitação das diferenças entre as singularidades e entre os grupos. O reconhecimento das diferenças e o respeito à alteridade podem, portanto, ser vistos como momentos importantes geradores das condições necessárias para que sujeitos, historicamente excluídos, possam assumir papéis relevantes na vida social e econômica. Nessa perspectiva, Stainback e Stainback (1999) dirão que a inclusão não é somente uma ação ou conjunto de ações, mas também atitudes e convicções socialmente partilhadas. Desse modo, a prática da inclusão emerge de um processo gerador de equidade e, assim, de igualdade de oportunidades e de direitos que têm como pressupostos o respeito às diferenças e às especificidades de cada sujeito e grupo social.
No que tange aos números da inserção no mercado de trabalho, Neri et al.(2003) afirmam que, no início do novo milênio, apenas 2,05% do total de trabalhadores brasileiros eram pessoas com deficiência, sendo que 29,05% deles viviam em situação de miséria e 27,61% não possuíam nenhuma escolaridade. Resultados apresentados pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) revelam que, do total de vínculos empregatícios ativos no final de 2010, apenas 0,7% eram de pessoas com deficiência (MTE, 2010). O número de organizações que têm incluído pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários vem aumentando, paulatinamente, segundo pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Ethos sobre o perfil social, racional e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil. Em 2003, 32% das empresas tinham pessoas com deficiência em seus quadros, sendo que esse número se elevou com o passar dos anos. Em 2005 esse percentual foi para 41%, em 2007 para 67% e em 2010 a 81%. Outro dado considerável, apresentado pelo Instituto, é referente ao número de funcionários deficientes nessas empresas. Em 2010, apenas 1,5% do quadro de empregados eram compostos por pessoas com deficiência e 81% das empresas que compuseram a amostra tinham mais de 1.000 empregados.
Como demonstrado, apesar de ter havido aumento no número de empresas que estão contratando indivíduos com deficiência, ainda não é atendido o mínimo exigido por lei. Muitas pessoas e organizações ainda desconhecem as leis que beneficiam e ajudam esses sujeitos. A Lei 8.213, de 1991, conhecida como Lei de Cotas, obriga a empresa com 100 ou mais funcionários a preencher de 2 a 5% de suas vagas com pessoas reabilitadas ou que possuam deficiência (Brasil, 1991). O Artigo 93 da Lei nº 8.213 prevê que empresas que reúnam entre 100 e 200 empregados tenham 2% de seus cargos ocupados com pessoas com deficiência; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e acima de 1.001, 5% (Brasil, 1991).
Esses números e o contexto no qual se inserem sinalizam que o mundo coorporativo ainda carece de ações inovadoras que promovam maior inclusão profissional e social. Machado (2008), ao discutir as relações entre inovação e transformação social, explica que as práticas inovadoras subvertem convenções tradicionais, consensos, à medida que convertem novas ideias em soluções concretas e aplicáveis a distintos problemas econômico-sociais.
Cabe salientar, contudo, que as discussões hodiernas sobre inovação têm como questão central o desenvolvimento tecnológico voltado para a vantagem concorrencial entre empresas e entre Estados. A obra do economista austríaco Joseph A. Schumpeter (1883-1950) contribuiu substantivamente na consolidação desse campo de saber e de experiência que é a inovação tecnológica (1982). Grosso modo, apesar das diferenças nos constructos teóricos, tanto quanto os neo-schumpeterianos concebem a inovação do ponto de vista de vantagem competitiva de mercado. Em outros termos, a inovação tecnológica deve gerar produtos, necessidades, soluções etc. que propiciem a vantagem na relação com os competidores no mercado e, assim, a maximização de lucros (Schumpeter, 1985).
Conforme Andrade (2005), contudo, o conceito de inovação deve compreender também os desafios do ambiente no qual a prática de inovação deve ser efetivada. É nesse campo que deve se dar a articulação entre tecnologia, economia e as demandas da vida social. Trata-se, pois, da constituição de modos inclusivos de inovação que, sem negar certa dimensão de concorrência, consolide a produção de conhecimento visando, por exemplo, a solução de problemas sociais geradores de exclusão, discriminação, desigualdade e heteronomia. Há que se destacar que o escrutínio dessa concepção de inovação ultrapassa os limites teóricos da Economia e das Ciências da Administração, pois não pode prescindir de um diálogo profícuo das Ciências Sociais Aplicadas – nas quais Economia e Administração estão inseridas – com a Teoria Social e a Teoria Política.
Assim sendo, na interface entre distintos saberes emergem como problemáticas e como desafios para a inovação social temas como a luta contra as formas de desigualdade, a sustentabilidade, a inclusão profissional, a responsabilidade social e o empreendedorismo social. Estes, por exemplo, põem em xeque os atuais modelos de exploração dos recursos naturais e humanos, bem como a concorrência competitiva totalmente dissociada de preceitos éticos e compromissos sociais (Yunus, 2010).
Articulada teoricamente a esse novo paradigma para inovação – que tem como pressuposto a construção de formas de emancipação social e econômica – esta pesquisa tem como objetivo geral analisar, com base na experiência de uma ONG, como é realizada a inserção profissional de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e se essa ação pode ser considerada uma prática de inovação social. Para tanto, investigou-se a ONG Du Projetus, instituição localizada no município de Biguaçu, na grande Florianópolis/SC, que tem como principal meta capacitar deficientes para estarem aptos a atuarem no mercado de trabalho. Além disso, a ONG estabelece parcerias com APAES e empresas na intenção de inserir as PCDs no mercado de trabalho formal. Contudo, todo o processo de encaminhamento e acompanhamento destes sujeitos é gerido pela ONG.
Quanto aos objetivos específicos, esta pesquisa visa: (i) Conceituar e tipificar as deficiências contextualizando e problematizando o estatuto epistemológico da “normalização”; (ii) Explicitar como ocorre o processo de inserção profissional; (iii) Identificar as principais dificuldades para a inserção profissional; (iv) Identificar os principais benefícios gerados pela inserção profissional, apontando se a ação da ONG pode ser considerada (total ou parcialmente) como uma prática inovadora de inclusão social.
A justificativa prática para a realização deste estudo é, sobretudo, a importância político-social, econômica e ética da inclusão social de pessoas com deficiência (PCDs) por meio da inserção no mercado de trabalho. A justificativa teórica é corroborada pelos escritos de Campos, Vasconcellos e Kruglianskas (2013), Shimono (2008), Araújo e Cardoso (2006), Schwaurz e Haber (2009) e Carvalho-Freitas (2007). Estes evidenciam a importância científica e social da inclusão: (1) ressaltam o valor epistemológico da temática “inclusão profissional de deficientes” e (2) asseveram que a inclusão é um passo fundamental na consecução de uma sociedade mais “acolhedora”, que respeite e valorize as diferenças, que gere espaços de reconhecimento e equidade profissional e social, nos quais as PCDs possam participar integralmente.
2 A INCLUSÃO PROFISSIONAL DE PCDs
A inclusão de pessoas portadoras de deficiência no Brasil, de acordo com Solera (2008), se efetivou a partir da criação da Lei de Cotas (Lei nº 8.213) de 1991. Conforme o seu Art. 93: “A empresa com 100 (cem) ou mais funcionários está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência”. No entanto, a realidade mostra que o pleno cumprimento da lei ainda está muito aquém das expectativas. Dados do Portal Brasil, publicados em julho de 2012 e atualizados em julho de 2014, mostram que somente 306 mil pessoas com deficiência estão empregadas formalmente. Ressalte-se que, de acordo com a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, se a lei fosse cumprida integralmente, mais de 900 mil pessoas com deficiência estariam empregadas.
Apesar da constatação da lacuna entre o que está escrito na lei e a sua efetiva incorporação pelas empresas e a sociedade, vale o destaque que as pesquisas sobre a temática são ainda insipientes – é o que indicam Teodósio et al. (2004); Tanaka e Manzini (2005); e Carvalho-Freitas e Marques (2010a). Percebe-se, contudo, algumas iniciativas de investigação sobre a temática – por exemplo, o estudo de Campos, Vasconcellos e Kruglianskas (2013) – que procuram analisar como se dá a inclusão no âmbito da empresa, ou seja, como se estabelece a relação do processo de inserção profissional com os objetivos e as práticas da empresa. A literatura, embora exígua, revela que não raro as empresas procuram cumprir a lei recrutando apenas aquelas pessoas com deficiências “menores”, o que, em tese, acarretaria em menos esforço e investimentos por parte das corporações. Shimono (2008), no entanto, assevera que empresas que possuem visão de futuro e são compromissadas ética e socialmente, procuram agir com responsabilidade social e, por isso, respeitam, por exemplo, a diversidade entre os sujeitos. Acrescenta o autor, isso permitiria agregar valores e diferenciar seus produtos.
Para Araujo e Cardoso (2006) é muito importante que se diferencie a mera tentativa de inserção no mercado de trabalho e a inclusão profissional integral. Para os autores, inserção restringe-se a práticas de recrutamento e seleção, enquanto a verdadeira inclusão requer planejamento que culmina num programa que perpasse todos os processos de gestão de pessoas e esteja alinhado horizontalmente entre si e verticalmente com os macros objetivos organizacionais e sociais. Nessa perspectiva, salientam Schwuarz e Haber (2009) que a empresa precisa se preparar para receber as pessoas com deficiência, a fim de ter informações e estrutura que lhe permitam promover efetivamente uma inclusão integral das PCDs.
Ao discutir as dificuldades da inclusão profissional no mercado de trabalho de pessoas com deficiência e as causas do descumprimento da lei, Oliveira (2012) sustenta que há distintas visões sobre esse hiato. Todavia, ganha relevo em sua investigação a constatação de que a existência de gerentes desinformados e/ou desinteressados pelas práticas de inovação, no formato de gerência das pessoas com deficiência, obstaculiza a inserção profissional do sujeito deficiente. Entretanto, acrescenta o autor que existem empresas conscientes de que devem criar ambientes adequados e ter recursos acessíveis para que essas pessoas possam, de fato, realizarem-se profissionalmente contribuindo com a organização e a sociedade. Essas práticas organizacionais demandam, invariavelmente, investimentos financeiros por parte da empresa – em formação, adaptação de espaço físico, tecnologia adequada etc. –, o que pode, por si só, desestimular alguns empresários. Nesse caso, os investimentos são considerados, por parte da empresa/empresário, exclusivamente como custos, como despesas sem retorno financeiro. Além disso, há situações nas quais algumas empresas fazem da ação de inserção profissional, tão somente uma estratégia de marketing. Ou seja, a revelia da prática da inclusão profissional integral e emancipatória, investem unicamente na imagem de empresa como corporação pautada por valores éticos e humanistas. E mais, a inserção profissional das PCDs ainda é vista e sustentada, em muitos casos, e por diversos atores sociais, não como um direito, mas como prática caritativa.
Lima et al. (2013) discutem os desafios da inclusão no mercado de trabalho dando ênfase sobretudo aos seus aspectos psicológicos. Em suas análises, ressaltam o expressivo valor atribuído pelos sujeitos com deficiência ao trabalho, considerado por estes como um meio para constituírem-se como profissionais de alguma área da atividade laboral. Bastante próximo às reflexões de Lima et al. (2013), Enriquez, Araújo e Carreteiro (2001) salienta a importância do trabalho como fator de equilíbrio psíquico na vida das pessoas, afirmando que o sujeito (deficiente ou não) sem trabalho reconhecido, sem reconhecimento profissional e sem remuneração, pode desenvolver patologias como a depressão. Dejour (1992; 2007), por sua vez, assevera que a atividade profissional, para qualquer indivíduo, não é somente um meio de garantir o próprio sustento, mas também a possibilidade de inserir-se plena, ativa e potencialmente na vida social.
Nessa perspectiva, Lima et al. (2013) acrescenta que por meio da inclusão profissional as pessoas com deficiência – interagindo e cooperando com outros sujeitos, deficientes ou não – passam a ser reconhecidas profissional e socialmente deixando, portanto, de serem “invisíveis” para os demais sujeitos e as corporações. Até porque, esclarece a autora, ser reconhecido pelos colegas de trabalho, e, de modo mais geral, pelo grupo social, como um sujeito-trabalhador ativo gera sensações como as de autorrealização e orgulho profissional. O indivíduo passa a vivenciar a sensação de pertencer ativamente a um grupo de pessoas, a uma corporação, e à sociedade da qual faz parte. (Lima, 2013). Trata-se, no limite, com a inclusão profissional integral, de criar condições para que o sujeito com deficiência saia do “ostracismo” profissional e social e possa, assim, ampliar a rede de relacionamentos e participar autônoma e ativamente dos distintos espaços de convivência e interação humanas.
3 METODOLOGIA
Este trabalho tem como objetivo analisar como é realizada a inserção profissional de pessoas com deficiência (PCDs) na região da grande Florianópolis/SC, e se esta pode ser considerada uma prática inovadora de inclusão profissional e social. Para tanto, escolheu-se a ONG DuProjectus, instituição localizada no município de Biguaçu, fundada em 2009. No seu quadro de funcionários há, atualmente, profissionais das áreas da educação, saúde e psicologia.
O estudo foi guiado pelo paradigma fenomenológico, lógica dedutiva, abordagem qualitativa, objetivo exploratório, estratégia da pesquisa de estudo de caso, e coleta de dados através do instrumento de entrevista em profundidade e análise de documentos. Desse modo, a análise foi feita a partir do ponto de vista de funcionários, pedagogos, e alunos da ONG (objeto da pesquisa), estudando a realidade das PCDs no que tange à inserção no mercado de trabalho. Seguindo essa premissa, a lógica do estudo é dedutiva, ou seja, a partir da teoria e da observação articulada aos objetos, deduz-se sobre os fatos.
Partindo do pressuposto de que a área de estudos da inovação social é recente – um constructo teórico ainda em desenvolvimento. Em outros termos, tendo em conta a visão dos envolvidos numa ação de inserção profissional, almeja-se trazer à tona as dificuldades, os aspectos negativos e as potencialidades positivas (que implicam a ONG, as empresas envolvidas e os benefícios), no contexto no qual se processam. Com esse espectro investigativo, e com a literatura que subsidia a pesquisa, procura-se levantar elementos que indiquem (ou não) se essa ação de inserção profissional de deficientes pode ser considerada integral ou parcialmente como uma prática de inovação social inclusiva e emancipatória.
Quanto à abordagem do problema, utilizar-se-á a abordagem qualitativa. Quanto ao objetivo, a pesquisa é de cunho exploratório. Pretende-se, pois, abordar o campo teórico das inovações sociais inclusivas na interface com a experiência dos atores sociais que vivenciam o dia a dia da organização-objeto do estudo. A estratégia adotada é o estudo de caso.
No que tange à coleta de dados, foram coletados dados primários pelo método de entrevista pessoal em profundidade (semiestruturadas) com roteiro de entrevista previamente estruturado e validado pelos investigadores que propuseram esta pesquisa. Os dados foram buscados, como indica Bell (2008), de forma primária advindos diretamente dos entrevistados e, de forma secundária, através de depoimentos oriundos de PCDs, empresas, além da análise de documentos da instituição pesquisada.
O procedimento de estudo de caso foi conduzido pelo instrumento de entrevista aprofundada e semiestruturada, gravadas com autorização dos entrevistados e posteriormente transcritas. Quanto à análise e interpretação de dados, foram realizadas por meio da transcrição das entrevistas. Os resultados são aduzidos de forma descritiva, apresentando depoimentos.
Através da Figura 1, tem-se um resumo da metodologia utilizada. Nele são apresentados os sujeitos envolvidos e a técnica de coleta de dados adotada.
Figura 1. Quadro-resumo
Fonte: Os autores (2015)
O protocolo da pesquisa contemplou um roteiro de perguntas que abordava aspectos associados a ONG, a deficiência e sua compreensão; sobre normal e anormal; e sobre inclusão profissional.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A realização das entrevistas se deu na sede administrativa da ONG situada no município de Biguaçu, integrante da grande Florianópolis/SC. O entrevistado 1 (E1) é funcionário, possui formação em pedagogia e especialização em educação especial. Ele é responsável pela parte comercial e formação de parcerias com as empresas. O entrevistado 2 (E2) é o vice-presidente (voluntário) da ONG, com formação em administração. Já o entrevistado 3 (E3) é o gerente administrativo da ONG, também com formação em administração. As informações advindas dos alunos e das empresas se deram por meio de depoimentos. Também foram coletados documentos secundários cedidos pela ONG (fichas cadastrais, fichas de avaliação e depoimentos em redes sociais e e-mails).
4.1 TIPOS DE DEFICIÊNCIA E TERMO/CONCEITO UTILIZADO
Percebeu-se, no que tange ao termo/conceito, um consenso entre os entrevistados: o termo/conceito utilizado é Pessoa com Deficiência (PCD). O público-alvo abrange as pessoas com Síndrome de Down e/ou deficiências mentais leves ou moderadas. Ou seja, o portador deve possuir alguma capacidade laboral motora passível de desenvolver certas atividades. Para E1, o termo/conceito adotado pela ONG, (PCD), revela a intenção de preparar para a inserção profissional as pessoas que possuem deficiências: auditiva, visual, física, mental ou múltipla. Vê-se, portanto, que a possibilidade de inserção no mercado de trabalho está vinculada à condição de que a deficiência não comprometa a capacidade de desenvolver atividades produtivas em algum nível.
4.2 O PROCESSO DE INCLUSÃO PROFISSIONAL
As informações coletadas permitem classificar o processo de inserção, empreendido pela ONG, em 4 etapas, a saber: (i) cadastramento das pessoas com deficiência interessadas em entrar no mercado de trabalho; (ii) prospecção e fechamento de contratos com empresas interessadas em ter em seu quadro pessoas com deficiência; (iii) capacitação das pessoas com deficiência para o mercado de trabalho e; (IV) inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Quanto aos atores participantes do processo tem-se: (1) as pessoas com deficiência (PCDs); (2) a ONG que faz a gestão do processo; (3) as empresas contratantes e; (4) a instituição de apoio, neste caso as APAES.
Como mencionado, o cadastro das PCDs é realizado em parceria com duas APAES, a de Palhoça e a de Biguaçu. Esta instituição foi escolhida pela ONG por sua experiência e credibilidade, pois é uma das principais redes de tratamento qualificado de pessoas com deficiência. Assim, o processo de busca das pessoas para o mercado de trabalho conta com a participação dos profissionais que trabalham nas APAEs. Aliás, de modo geral são eles que ministram os cursos na ONG. Portanto, a partir do momento em que uma pessoa se interessa por fazer um curso de capacitação para se tornar empregável, avisa sua família que, por sua vez, faz o contato com a ONG. Quando a família procura a ONG é proposta uma reunião desta com a diretoria. Nela, os familiares da PCD podem dirimir dúvidas e expressar suas preocupações/inquietações quanto à atividade laboral proposta.
Ao fim da etapa de cadastro das pessoas interessadas, outras duas frentes ocorrem de forma simultânea. Desse modo, (1) a ONG contacta as empresas interessadas e, no mesmo momento, (2) as PCDs ingressam no curso de capacitação profissional. A prospecção das empresas interessadas ocorre por meio de contato realizado pelo responsável da área comercial da ONG (E1). Este, diariamente prospecta e faz visitas às empresas. O dado mais relevante, que define a aproximação da ONG com as empresas, é a constatação de que estas se enquadram no perfil previamente estabelecido. Quanto a este perfil, são geralmente médias ou grandes corporações que manifestam a intenção de cumprir a Lei nº 8.213. Todavia, complementa o critério de escolha de uma empresa, conforme o entrevistado 1, certificar-se de que ela não vise, com a contratação das PCDs, tão somente cumprir a lei evitando assim qualquer sanção legal. Cabe ilustrar: empresas que fazem muitas exigências são descartadas pois, segundo E1: não adianta contratar por contratar sem ter a consciência e dar condições mínimas para que a pessoa com deficiência exerça suas atividades. E mais, para que a empresa de fato esteja apta a receber uma PCD, existe uma sequência de procedimentos: o comunicado à ONG de que surgiu uma vaga; a ONG avalia o perfil da PCD de acordo com a vaga ofertada; a ONG vai até a empresa com a PCD e verifica se esta aprova o seu perfil para a vaga e se a PCD também está de acordo com a vaga oferecida pela empresa. Para a ONG, a terceira etapa, que seria a aceitação ou não da PCD, é de extrema importância, pois determinará todo o sucesso da ação.
Em face do exposto, é possível inferir que as ações da ONG se adequam às proposições de Araujo e Cardoso (2006). Estes diferenciam a mera inserção no mercado de trabalho e a inclusão profissional/social. A inserção se restringiria a práticas de recrutamento e seleção de pessoal, já a inclusão profissional integral requereria planejamento para um programa que perpasse todos os processos constitutivos da gestão de pessoas. As asserções do entrevistado evidenciam que as intenções da ONG não se limitam à mera inserção profissional. Trata-se, pois, com suas ações, de procurar viabilizar uma inclusão profissional (e social) planejada e, assim, adequada às especificidades da PCD.
Detalhando o processo de formação, destaca-se que a capacitação das PCDs possui uma dinâmica e rotina próprias, pré-definidas pela ONG. Assim a PCD passa 4 horas por dia, durante 3 dias por semana, na empresa que a contratou; e 2 dias em cursos que visam melhor capacitá-la para realizar sua atividade laboral com êxito. Os cursos oferecidos pela ONG, em parceria com as APAES, procuram ensinar aos alunos a como agirem e interagirem no dia a dia da empresa. E mais, são ministrados encontros que trabalham conteúdos como: noções de cidadania, informática e práticas administrativas. Com raras exceções, o grau de escolaridade dos alunos é sempre ensino fundamental ou médio – lembrando que a forma de ensino das APAES segue normas e critérios distintos do ensino formal tradicional.
Além da formação das pessoas com deficiência, também há a capacitação das empresas e, nelas, de seus colaboradores. É mister preparar a empresa e seus funcionários para interagirem com as PCDs, que passam a ser os novos colaboradores. Conforme o entrevistado 1, esta é uma etapa fundamental, pois permite gerar consciência e transformações nas pessoas que vão interagir no ambiente profissional com as PCDs. Nela, as psicólogas e pedagogas da ONG ministram palestras denominadas como “palestras atitudinais”. É o que revela a transcrição de E1.
“Antes de tudo é necessário uma mudança de atitude das pessoas. Não é o simples fato de incluir por incluir, as empresas e seus colaboradores devem promover a inclusão através da mudança de atitude e não apenas o fato de incluir porque é legal incluir. Por isso nós ministramos palestras atitudinais para ensinar aos colaboradores desta empresa que eles precisam ter atitudes normais com estas pessoas, tratá-las bem e ser paciente, isto é, nossas atitudes precisam entender que estas pessoas devem se sentir bem e atuar de acordo com seus limites.”. (Entrevistado 1).
Percebe-se que há consciência por parte da ONG – que é revelada por meio de suas ações pedagógicas – que o processo de inclusão profissional e social não é algo simples. Isto é, para que uma pessoa seja de fato incluída, e não sofra exclusão no processo de inserção profissional, é preciso que a empresa e seus colaboradores tenham afinidade com princípios como alteridade, respeito às diferenças e especificidades, entre outros. A ONG acredita que a capacitação é peça-chave nesse processo de familiaridade e adesão a valores inclusivos, geradores da autonomia e emancipação nas PCDs. Até porque, não adianta contratar as PCDs sem que a empresa passe por um processo de capacitação e adaptação. Constata-se que essas asserções se coadunam a importantes teses de Sassaki (2006). Para o autor, a sociedade precisaria se adaptar para melhor incluir os sujeitos discriminados. Isso auxiliaria na capacitação dos excluídos para assumirem papéis de protagonismo no meio social. Alinhado a essa visão, Schwuarz e Haber (2009) sugerem que a empresa precisa se preparar para receber as pessoas com deficiência, a fim de ter informações que lhe permitam auxiliar na inclusão integral.
Ressalta-se, por fim, que a segunda etapa da capacitação das PCDs ocorre no momento em que são aprendizes, mas com inserção na empresa. Esse processo tem duração de dois anos. Após esse momento, a empresa tem as opções de renovar o contrato por mais um ano, de rescindi-lo ou ainda de inserir definitivamente a pessoa com deficiência em seu quadro de colaboradores. Essa inclusão definitiva na empresa complementa o processo de inclusão no mercado profissional. Sumarizando, de acordo com E2, completados dois anos de capacitação, a PCDa princípio é considerada apta a trabalhar numa maior escala de tempo dentro da empresa, passando para 4 dias por semana. Para ele, inserir essas pessoas no mercado de trabalho é um passo importante para realizar uma transformação social de uma parte deveras esquecida pela sociedade. Prepará-las ao mercado significa dar um certo nível de sustentabilidade e inclusão a essas pessoas além do mero assistencialismo. Há importantes similitudes entre essas afirmações e o que sustentam Campos, Vasconcellos e Kruglianskas (2013), Shimono (2008), Araújo e Cardoso (2006), Schwaurz e Haber (2009) e Carvalho-Freitas (2007). Esses autores, cada um a seu modo, evidenciam a importância social da inclusão como forma de se obter uma sociedade acolhedora que valoriza as PCDs ao invés de excluí-las. A inclusão profissional e social proporciona às PCDs equilíbrio psíquico e contribui para a construção de uma sociedade mais digna, justa e igualitária.
4.3 DIFICULDADES DO PROCESSO DE INCLUSÃO
Com relação aos principais problemas que obstaculizam a inclusão profissional, foram relatadas pelos entrevistados 1 e 3 as seguintes dificuldades: (i) resistência dos pais das PCDs; (ii) obstáculos gerados pelas próprias empresas e; (iii) não garantia de benefícios adquiridos. O primeiro relato do entrevistado 1 evidencia a primeira dificuldade:
“Por incrível que pareça uma das primeiras barreiras encontradas está dentro da própria casa, com os próprios pais. Primeiro, que existe um medo de como eles serão tratados lá fora, como eles se adaptarão a um ambiente estranho. Outro fator é que normalmente estas pessoas são superprotegidas e elas próprias podem ter comportamentos agressivos fora do ambiente em que estão acostumadas. Esta superprotecção por parte dos pais dificulta o processo de inclusão. (Entrevistado 1)
Segundo a ONG, a primeira dificuldade encontrada para capacitação é, invariavelmente, o receio e/ou a superproteção da família. Ou seja, na intenção de evitar que o filho seja discriminado e sofra preconceito, os familiares resistem à oportunidade de inclusão profissional do deficiente. Há ainda uma outra dificuldade imposta pela legislação. As pessoas com deficiência, que possuem síndromes e frequentam APAES, normalmente já são beneficiadas com um valor mensal repassado pelo governo. Sabe-se, contudo, que a lei indica que a pessoa com carteira assinada perde este benefício. Vê-se, portanto, que as ações do Estado, de um lado, seguem a lei para inclusão social de pessoas com deficiência que garante tal benefício, e de outro, se orientam por uma norma que sustenta que a pessoa com deficiência, que tem carteira assinada com regime normal de trabalho, deve perdê-lo por estar apta ao trabalho. Essa situação cria um dilema no seio da família do deficiente, que deve escolher entre uma possibilidade ou outra: receber o benefício do Estado ou o salário pago pela empresa. Isso gera insegurança nos pais, que frequentemente preferem contar com um benefício garantido do que um valor pago pelo trabalho exercido pelo filho, pois este último pode ser inserto.
Outro aspecto apontado como uma barreira à inclusão é a constatação – indicada pela literatura especializada (Cf. Campos; Vasconcellos; Kruglianskas, 2013) de que a maioria das empresas visa contratar pessoas com deficiência objetivando tão somente cumprir a cota estipulada por lei. De acordo com E1 e E3, essa prática de inserção não se coaduna com iniciativas de inovação social e responsabilidade social. Até porque, essas empresas anseiam, unicamente, livrarem-se de elevadas multas por não comprirem a lei. Nessa perspectiva, o depoimento de E3 revela que a maioria das empresas contrata a PCD para cumprir uma determinação legal imposta pelo governo e não por se tratar de uma questão de inclusão social. Não há preocupação, por parte das corporações, com a redução dos níveis de desigualdade social. Ainda segundo E3,”Se não houver uma fiscalização mais rígida do ministério do trabalho, a maioria das empresas não contrata”. E mais, há empresas que, na intenção de ludibriarem a lei, procuram contratar pessoas fora do perfil que define as PCDs. Nesses casos, não há o menor compromisso com a inserção profissional e menos ainda com uma inclusão profissional efetiva.
“Muitas empresas quando procuradas exigem e querem contratar uma pessoa sem um dedo, com a orelha torta, com uma unha quebrada, cega de um olho que no conceito deles são praticamente normais e isto para nós não é inclusão de fato” (Entrevistado 3).
Segundo E1, há empresas que procuram em seu próprio quadro de funcionários pessoas com alguma deformidade (quanto menor, melhor!). Ou seja, sem uma das mãos ou que seja manco, surdo de um ouvido etc., na intenção de que seja possível emitir um laudo de deficiência visando, assim, criar a sensação de que cumpriram a cota exigida. Além disso, conforme os entrevistados, muitas empresas não estão preparadas para lidar com pessoas deficientes. Daí a necessidade de passarem por um processo de aprendizagem. Acrescentam os entrevistados, por exemplo, que em vários casos as empresas desejam contratar, mas impõem metas e querem que as pessoas com deficiência tenham desempenho semelhante aos demais funcionários: não atrasem o trabalho etc. Na prática, essa visão revela a falta de compreensão do que de fato seja a inclusão profissional. Uma inclusão profissional efetiva só acontece quando o que interessa não é unicamente o resultado, mas sobretudo a promoção da pessoa e seu processo integral de inserção. Como afirma E2, o “dia-a-dia das empresas, a busca por metas, por crescimento impede que empresários e organizações olhem para o lado social. Somente se preocupam em cumprir metas e leis sem de fato parar para pensar sobre o que é uma inclusão social. Se preocupam apenas em cumprir ou driblar a lei”.
Sumarizando as dificuldades levantadas, a falta de capacitação e o fato de a inserção existir sobretudo para o cumprimento de cotas corroboram as proposições contidas, por exemplo, nos estudos de Araujo e Cardoso (2006) e de Schwuarz e Haber (2009). Há que destacar, no entanto, que não foram localizados estudos substantivos que tratassem das duas outras dificuldades levantadas, a saber, (1) as resistências impostas pelos pais e (2) o dilema da lei que restringe o benefício às pessoas com deficiência ao ingressarem no mercado de trabalho. Dando ênfase às barreiras que obstaculizam a inclusão profissional integral e, por isso, efetivamente inovadora, num dos depoimentos um entrevistado assevera: “encontramos muitas empresas e pessoas que acham legal a história de inserir a PCD no mercado de trabalho, entretanto, na hora de por em prática, encontram muitas desculpas. Para inovar não basta achar legal a ideia, tem que por em prática”. Essas considerações encontram assento nas proposições de Stainback e Stainback (1999) e Machado (2008) sobre o tema. Esses teóricos entendem que a efetiva inclusão social e profissional pressupõe mudanças expressivas de visão, atitude e ação. Para materializar uma prática de inovação social que inclua as PCDs no mercado de trabalho e na sociedade, de forma integral, é mister que as corporações transcendam a esfera do mero discurso e dos interesses exclusivamente privados como condição para criar modos de ação transformadores/emancipadores.
4.4 BENEFÍCIOS DO PROCESSO DE INCLUSÃO
Os depoimentos de funcionários, das pessoas com deficiência e das empresas/empresários que estão engajados no projeto subsidiaram a investigação no que tange ao escrutínio dos benefícios desse processo de inclusão profissional. Em relação aos resultados da capacitação das PCDs, conforme o depoimento cedido por uma das pedagogas, constata-se: a ampliação das habilidades, a maior interação com os demais e o aumento da autoestima. Destaque-se que essas considerações encontram assento em concepções defendidas por Dejour (1993), Enriquez, Araújo e Carreteiro (2001) e Lima et al. (2013). Dirá a pedagoga da ONG:
“Eles amadureceram muito desde o início do ano, cresceram muito como pessoas, e contribuem em casa, dando mais valor às coisas, cresceram no tratamento com as pessoas e as amizades. Estão se sentindo úteis, se sentindo gente. O que mais vejo é o amadurecimento deles, pois toda a instituição percebe, estão questionando mais, sendo mais críticos e desenvolvendo mais autonomia”. (Pedagoga da unidade de Palhoça).
Seguindo, através do depoimento por escrito de algumas PCDs(alunos) também se pode evidenciar no quadro 1 que a capacitação e inserção se traduz em uma satisfação pessoal tanto deles quanto de seus familiares. Elementos imprescindíveis para uma prática inovadora que objetiva gerar a inclusão profissional e social com potencialidades para emancipar o sujeito.
Depoimentos |
Responsáveis |
“Eu estou gostando da minha filha poder trabalhar, é uma oportunidade que ela tem para ficar mais animada. O trabalho da Associação é interessante para eles. Se não fosse o Projeto e fosse direto na empresa, seria difícil para eles conseguirem um trabalho.” |
Mãe de uma jovem PCD que trabalha em uma empresa avaliada pela ONG. |
“Eu comecei a trabalhar sem registro, fazia muita força e ganhava pouco. Surgiu uma luz na minha vida, que foi o jovem aprendiz. Eu não tinha uma família estruturada. Nada justifica pegar o caminho errado, mas ser um jovem aprendiz me ajudou a direcionar e ter uma luz. Metade do que eu sou hoje é pelo programa jovem aprendiz, a humildade e conhecimento que tenho foi devido ao jovem aprendiz. Eu não sei onde eu estaria sem essa oportunidade. O Projeto me fez sentir importante e grande. |
Valdir Rosa tem Síndrome de Parkinson e atua como responsável pelo Almoxarifado de um grande hospital catarinense. |
“Para mim, a partir do momento que o meu serviço na empresa estava fazendo diferença, percebi que tenho valor e fiquei mais motivado. O curso é bem legal e agente aprende bastante coisa, me senti mais preparado para o mercado de trabalho.Estar lá dentro, convivendo com o chefe e os outros, parece que abriu a porta de um novo mundo para mim.” |
Matheus Natividade – Porto Belo - Empresa Angeloni |
“Tenho 33 anos, curso de informática, de secretariado e nunca tive minha carteira assinada. Através do projeto consegui meu primeiro emprego e agora estou me sentindo útil e com vontade de ingressar em uma universidade”. |
Gabriela, portadora de paralisia cerebral leve. |
Quadro 1.
Depoimentos (PCDs) e Familiares
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa (2016).
Com relação à impressão das empresas que contratam e vivenciam essa experiência com as PCDs, constatou-se a satisfação de participar ativamente do processo. Corroborando essa inferência, o quadro 2 apresenta alguns depoimentos que foram levantados por meio das redes sociais, como também de documentos cedidos pela ONG.
Depoimentos |
Empresas |
“Achei bom ser jovem aprendiz, porque pude comprar minhas coisas, ter a experiência de como é um serviço e poder trabalhar, também aprendi a me comunicar com as pessoas. O curso me ajudou bastante, para saber como funcionam as empresas e como é o desenvolvimento das empresas.” Obs: este depoimento deve ficar aqui mesmo? Não é de uma empresa! Bem, sugiro que retire do quadro 2 e coloque no quadro 1. |
Arlindo de Almeida - Porto Belo - Pesqueira Pioneira da Costa |
“Eu vejo esse projeto jovem aprendiz com muita positividade. Graças a ele muitos jovens hoje conseguem a oportunidade do primeiro emprego que até então não é permitido a quem tem menos de 16 anos. Oportunidade essa que hoje faça com que esses jovens consigam ter e adquirir uma responsabilidade, muitos deles hoje têm uma visão diferente para com o mercado de trabalho. Jovens que agora querem ganhar seu dinheirinho, que assumem suas responsabilidades com despesas pessoais e ainda contribuem com o orçamento familiar.” |
Eliete Feller - Setor Dept.º Pessoal- Neval – Itapema |
“O Projeto é de extrema importância, muito positivo e mudou totalmente a minha visão sobre pessoas com Síndrome de Down. Para o Grupo em si mostra que ninguém é indispensável no trabalho, pessoas com deficiência ou sem deficiência podem trabalhar. Está servindo de aprendizagem para todo mundo. O Lucinei é nota dez. Quando ele recebeu o uniforme ele se sentiu muito bem e importante.O Projeto é m Bemuito bom!” |
Cristian Vilson José - Gerente - Casas da Água –Fpolis |
“Os jovens sempre querem ajudar e o Projeto é bom! Pois, damos a oportunidade para as pessoas que querem trabalhar.” |
Murilo Patrício - Gerente - Casas da Água - Palhoça |
Quadro2.
Depoimentos de empresas pesquisadas
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa (2016).
Conforme revelam os resultados descritos, as ações da ONG estudada reunem importantes elementos de uma prática social inovadora, sobretudo pelo modo como essa prática concebe as deficiências, pelo respeito à singularidade e especificidade dos sujeitos deficientes e pelas estratégias de inserção profissional. A iniciativa de agir em parceria com as APAES é um indicativo importante do traço inovador do projeto. Aliás, existem poucas iniciativas dessa ordem, no Brasil, com tal parceria. Além disso, o fato de ser um projeto que visa não somente inserir indivíduos no mercado de trabalho, mas incluir profissional e socialmente as PCDs, suas ações alinham-se às teses de Yunus (2010) sobre o compromisso das empresas com a geração de processos de transformação social que se contraponham à lógica da exploração e exclusão individual e coletiva.
Projetos como esse corroboram a exortação de Sassaki (2006). Para o autor, é condição para um profícuo processo de transformar social que a sociedade una forças e tenha sensibilidade para reconhecer as diferenças e se adaptar a elas – passos necessários para materializar uma prática inovadora de inclusão. Vê-se, também, que as ações da ONG alinham-se às proposições de Stainback e Stainback (1999). Estes sustentam que a inclusão não deve ser tão somente uma ação ou conjunto de procedimentos. Faz parte da inovação, perceber que o processo de inclusão profissional e social pressupõe mudanças de atitude, de visão e criação de novas convicções. Em outros termos, para haver inclusão, é necessária a consolidação, na vida da organização, de práticas de alteridade e equidade articuladas à garantia de direitos. Ao verificar-se o processo de gestão que a ONG faz unindo associações, empresas e deficientes, percebe-se vivamente a presença de elementos inovadores orientados na direção da inclusão profissional e social das PCDs.
De certo modo, o processo de inclusão, como um todo, gera expressivas experiências de aprendizagem aos diferentes atores sociais envolvidos, portanto, não somente as PCDs e seus familiares, mas também a ONG e seus colaboradores e as empresas. Com relação às famílias, o contato com o projeto possibilita que ampliem a visão sobre a condição e perspectivas de vida das PCDs, o que permite se arriscarem por novas oportunidades para seus filhos. De acordo com os depoimentos, as oportunidades criadas no desenvolvimento do projeto fazem com que as PCDs se sintam mais úteis e passem a ter novas metas em suas vidas. É citado, por exemplo, o caso de participante do projeto que manifestou o desejo de fazer um curso universitário. Quanto aos demais atores, é inovadora a oportunidade que essa ação de inclusão viabiliza de aprenderem a lidar com as diferenças manifestadas por sujeitos não totalmente identificados – como visto – com os padrões normalizadores vigentes. Desse modo, é oportunizado a indivíduos (gestores ou não) e corporações a experiências da alteridade que, articulada a preceitos éticos e legais, gera práticas organizacionais transformadoras, à medida que possibilita novos modos de coexistir nas relações de trabalho e mercado.
Apesar disso, a pesquisa desenvolvida ratifica a tese de que parte expressiva dos atores sociais (com destaque para as empresas e famílias) ainda não está preparada para participar ativamente da inclusão integral das PCDs. Como dito, muitas empresas apenas almejam cumprir a cota estabelecida. Quanto às famílias, ganham destaque os medos e as resistências gerados por suas inseguranças e superproteção, como também pela ambiguidade das leis que versam sobre a condição dos deficientes e a situação de ingresso num trabalho formal. Vale destaque também a ênfase de todos os entrevistados que criar condição de inclusão profissional para deficientes é um processo árduo e desafiador, pois é difícil conscientizar: 1) as empresas de que o objetivo da contratação não deve ser somente o cumprimento das cotas; 2) os familiares da necessidade de ousarem, lutarem e exercerem seus direitos e as PCD para não desanimarem no caminho e se esforçarem ao máximo na capacitação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo procurou analisar como ocorre o processo de inserção profissional de pessoas com deficiência PCDs, suas dificuldades e benefícios, e se estes podem ser considerados uma prática inovadora de inclusão profissional e social. No que tange à teoria, constatou-se a existência de diversos artigos que discutem o tema da inserção, tanto do ponto de vista das empresas quanto dos deficientes. Observou-se que muitos artigos sustentam que a Lei nº 8.213, de 1991, contribuiu significativamente para afirmar os direitos de inserção profissional da pessoa com deficiência. Acrescentam, entretanto, que passados mais de duas décadas muitas empresas ainda contratam tendo em vista, unicamente, cumprir a lei das cotas. Essa constatação revela que muitas corporações não manifestam interesse e compromisso com a inclusão integral (formal, sustentável...) dos deficientes. Outros estudos indicam que muitas empresas não estão preparadas para receber essas pessoas e, assim, para lidarem com suas especificidades. Há resistência dessas corporações em arcar com os custos para criar a estrutura necessária para que o deficiente possa bem realizar a atividade laboral. Além disso, há pesquisas que destacam a questão da falta de capacitação das PCDs para sua entrada no mercado de trabalho.
Diante do quadro apresentado, o estudo de caso realizado na ONG Du Projetus revelou importantes ações inovadoras. Cabe destaque, primeiro, para o fato de que o projeto busca resolver o problema da falta de capacitação. Ou seja, além de procurar inserir as PCDs no mercado de trabalho, busca fazer isso de forma com que elas participem ativamente do processo: instrumentalizando-se para as atividades, mas também adquirindo diferentes conhecimentos, interagindo com os demais etc. Isso mostra que as ações da ONG não estão voltadas tão somente à inserção do deficiente no mercado de trabalho. A meta é instrumentalizá-lo para uma inclusão integral. Trata-se, portanto, de formar os sujeitos e conscientizar as corporações para uma transformação social – a começar pelas esferas do mercado e trabalho, mas articuladas a outros espaços de interação públicos e privados.
Tendo por referência o contato diário em prospecção das empresas que farão a inserção, percebeu-se que a ONG enfrenta uma das dificuldades bastante mencionada na literatura: a maioria das empresas contatadas normalmente está interessada em contratar visando tão somente cumprir a lei de cotas. Ressalte-se que a posição da ONG em relação a esse problema é assaz positiva. Ela resiste ao que poderíamos denominar como oportunismo utilitário de tantas empresas que, ao invés de contribuírem com práticas inovadoras de inclusão, criam modos de inserção profissional excludente. Até porque, uma inserção profissional pouco criteriosa, estruturada e compromissada gera mais exclusão. Vê-se, assim, que não é suficiente para incluir profissional e socialmente preencher as vagas conforme indicadas pela legislação. É preciso mudar a mentalidade e, com isto, formar uma estrutura que receba e reconheça as PCDs como sujeitos com potencialidades diversas. A ONG procurar detectar se a empresa e seus colaboradores não estão preparados para receber as PCDs. Se não estiverem, refreia a inserção nesses espaços. Outro aspecto fundamental é a preocupação com a sustentabilidade de todo o processo. Como visto, a ONG capacita não somente as PCDs mas também as empresas. Para tanto, realiza, por exemplo, palestras “atitudinais” na intenção de que empresas, colaboradores e a sociedade como um todo mudem suas visões e atitudes (tantas vezes preconceituosas) em relação a um efetivo processo de inclusão profissional/social.
Tão significativa quanto as dificuldades apontadas pela literatura é o seguinte obstáculo à inclusão profissional indicada pelas entrevistas. Trata-se da forte resistência dos familiares das PCDs em inseri-los no mercado de trabalho. Diferentes medos, inseguranças e a superproteção fazem com que os pais não queiram que seus filhos participem do projeto e ingressem na vida profissional. Viu-se também que essa resistência é alimentada por certa contradição legal: uma lei garante um benefício às PCDs, enquanto outra indica que este deve ser retirado quando as PCDs passam a ter contrato formal de trabalho. Outro problema que mereceu destaque é o fato de que o discurso corporativo da inserção profissional esconde, não raro, a intenção de muitas empresas em tentar ludibriar a lei contratando pessoas com deficiências físicas muito leves (quase inexistentes), o que descaracteriza o verdadeiro sentido de uma inserção inovadora, integral e, por isso, inclusiva. Nessas situações, fica evidente que não há, por parte das empresas, qualquer compromisso com a inovação social e a transformação social. Até porque, ao invés de contribuírem com mudanças que subvertam o estatuto da normalização (conforme apresentado) e seus efeitos nas relações profissionais de trabalho e no mercado, reproduzem práticas imorais que visam tão somente obter vantagens a quaisquer preços.
Salienta-se, por fim, que o espectro desta pesquisa poderia ter sido ampliado/aprofundado se fosse ampliado o número de entrevistados. As visões das empresas, como também das PCDs, familiares e voluntários envolvidos poderiam ser melhor escrutinadas. Além disso, a pesquisa ocorreu de forma transversal sem poder analisar o processo ao longo do tempo. Com isto, sugere-se que outros estudos sejam feitos em escala maior, ampliando-se o número de participantes, e em outras regiões do país, a fim de confirmar, contribuir e aprofundar os substratos dos relatos obtidos nesta pesquisa.
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