GESTÃO PRÓ-SUSTENTABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA EM UMA EMPRESA BRASILEIRA

Ana Carolina Salles

Mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Brasil.

Ana Paula Ferreira Alves

Mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
Coordenadora de Curso do Campanha Nacional de Escolas da Comunidade EAD, Brasil.

Jaqueline Guimarães Santos

Mestrado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco, Brasil(2013).
Professor Efetivo da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.
E-mail: [email protected]

Luis Felipe Machado do Nascimento 

Doutorado em Economia e Meio Ambiente pelo UNIVERSITÄT GESAMTHOCHSCHULE KASSEL, Alemanha.
Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.

RESUMO

Diante das atuais preocupações com a degradação do planeta e a desigualdade social decorrente das atividades empresariais, percebe-se uma crescente necessidade de integração de ações mais responsáveis tanto na pesquisa como na prática da gestão das organizações. Esses impactos socioambientais impulsionam as organizações a repensarem seus modelos de gestão, buscando um redimensionamento que ultrapasse as formas tradicionais rumo a uma gestão pró-sustentabilidade. Assim, este estudo objetiva compreender o processo de mudança para um modelo de gestão em prol da sustentabilidade e a percepção dos colaboradores frente a essa mudança. Para tanto, foram realizadas entrevistas com colaboradores de uma empresa brasileira, além de observações diretas não participantes. Os resultados apontam que a concepção e a implantação de um modelo pró-sustentabilidade é possível, dentro da realidade da empresa estudada. Ainda, os colaboradores opinam positivamente sobre o processo de mudança e percebem que a empresa contribui para um desenvolvimento mais sustentável.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Gestão; Mudança.

PRO-SUSTAINABILITY MANAGEMENT: A STUDY ON THE PROCESS OF CHANGE IN A BRAZILIAN COMPANY

ABSTRACT

Given the current concerns about the degradation of the planet and social inequality arising from business activities, it is possible to examine an increasing need for integration of more responsible actions in both research and practice in the management of organizations. These social and environmental impacts are driving organizations to rethink their management models, seeking a new focus that goes beyond traditional forms towards a pro-sustainability management. This study aims to understand the process of moving to a management model for sustainability and the perception of employees against this change. Interviews with employees of a Brazilian company were held and direct observations non participants. The results indicate that the design and implementation of a pro-sustainability model is possible, within the reality of the studied company. Also, workers opine positively about the change process and realize that the company contributes to a more sustainable development.

Keywords: Sustainability; Management; Change.

GESTIÓN PRO-SOSTENIBILIDAD: A ESTUDIO DE LA PROCESO DE CAMBIO EN UNA EMPRESA BRASILEÑA

RESUMEN

A la vista de las preocupaciones actuales sobre la degradación del planeta y la desigualdad social como consecuencia de las actividades de negocio, uno ve una creciente necesidad de integración de las acciones más responsables tanto en la investigación y la práctica de la gestión de la organización. Estos impactos ambientales organizaciones que impulsan a replantear sus modelos de gestión, en busca de un cambio de tamaño que va más allá de las formas tradicionales hacia una gestión pro-sostenibilidad. Este estudio tiene como objetivo comprender el proceso de pasar a un modelo de gestión para la sostenibilidad y la percepción de los empleados en contra de este cambio. Con este fin, se realizaron entrevistas con los empleados de una empresa brasileña, y observaciones directas no participantes. Los resultados muestran que el diseño e implementación de un modelo pro-sostenibilidad es posible, dentro de la realidad de la empresa estudiada. Aún, los desarrolladores opinan positivamente sobre el proceso de cambio y se dan cuenta de que la empresa contribuye a un desarrollo más sostenible.

Palabras clave: Sostenibilidad; Gestión; Cambio.

1. INTRODUÇÃO

Um sistema econômico que predomina a riqueza de uns em virtude da pobreza de todos os outros, traz consigo a obrigação latente de mudança (Nascimento, 2012). Em virtude de pressões realizadas pela sociedade em geral para repensar os modos de produção e de consumo capitalistas vigentes, processos e produtos devem ser modificados visando reduzir seus impactos sociais e ambientais. Diante dos problemas socioambientais decorrentes das atividades empresariais, é possível perceber uma crescente necessidade de integração de ações mais responsáveis tanto na pesquisa como na prática da gestão.

As preocupações com o futuro da natureza e das sociedades contribuíram significativamente para que gestão das organizações se tornasse mais responsável (Nascimento, Lemos & Mello, 2008). Repensar a gestão faz surgir um novo contexto para gerenciar as atividades empresariais, o qual demanda um redimensionamento nos modelos de gestão para que estes ultrapassem as formas tradicionais – conduzindo as organizações para uma gestão pró-sustentabilidade (Tauchen & Bradlin, 2006; Barbieri, 2010).

Dessa forma, as empresas devem repensar suas estratégias, inserindo a sustentabilidade nos seus negócios, contribuindo à melhoria de qualidade de vida da sociedade e à preservação dos recursos naturais (Claro, Claro & Amâncio, 2008). Nesse sentido, a introdução de práticas de sustentabilidade não deve ser considerada como um aumento de custos empresariais (Orsato, 2006), mas como atividades que gerem resultados positivos em termos econômicos, sociais e ambientais, beneficiando, ao mesmo tempo, a sociedade, o ambiente e a rentabilidade das empresas (Carvalho & Barbieri, 2013).

É sabido que a maioria das empresas têm adotado iniciativas com a finalidade de reduzir seus impactos ao meio ambiente e à sociedade, motivadas, essencialmente, pelo cumprimento a legislações vigentes (Seuring & Müller, ٢٠٠٨). Entretanto, algumas organizações vêm introduzindo práticas de forma voluntária para aumentar seu desempenho socioambiental, além daquilo que é exigido legalmente. São cada vez mais comuns empresas se preocuparem com a minimização dos seus impactos socioambientais a partir da introdução de práticas de sustentabilidade que vão além do que a lei exige, passa a ser introduzido na estratégia da organização. Assim, empresas que, voluntariamente, inserem práticas de sustentabilidade no seu core business, além daquelas exigidas por legislação ou regulamentações, são empresas proativas (Alves & Nascimento, 2016).

Nesse sentido, destaca-se a necessidade de diversas mudanças na empresa e sua relação com seus stakeholders de modo a introduzir práticas de sustentabilidade no core business da organização. Diante disso, este estudo objetiva compreender o processo de mudança para um modelo de gestão em prol da sustentabilidade e a percepção dos colaboradores frente a essa mudança. O estudo foi realizado na Mercur S.A, cujos dados foram coletados por meio de entrevistas com colaboradores da empresa, além da obserção direta não participante. Justifica-se a escolha da empresa em virtude da sua atuação proativa na introdução de práticas de sustentabilidade no seu core business. A Mercur S.A opera em quatro segmentos de mercado e está localizada no município de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul.

Além desta seção introdutória, o artigo está dividido em mais quatro seções. Na segunda seção, o referencial teórico é apresentado, abordando questões referentes às demandas atuais para a gestão e a integração da sustentabilidade e a gestão das organizações. Na terceira seção, é apresentado o método que orientou a pesquisa. Na quarta seção, os resultados são apresentados com base na mudança da gestão tradicional para uma gestão pró-sustentabilidade e acerca da percepção dos colaboradores sobre a mudança ocorrida, por fim, na última seção, são expostas as considerações finais da pesquisa.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Esta seção trata da revisão de literatura, onde são abordados os referenciais utilizados para fundamentar o estudo proposto, dos quais se destacam a gestão das organizações, evidenciando seu papel em atuais ambientes dinâmicos; e, a integração da sustentabilidade ao gerenciamento das organizações em uma gestão pró-sustentabilidade. A sustentabilidade deve ser percebida como um fator chave para a sobrevivência e geração de vantagens competitivas para as organizações contemporâneas. Pensar em desenvolvimento além de questões genuinamente econômicas, com a inserção de aspectos socioambientais, auxilia a compreender a necessidade de estabelecer modelos de gestão que contemplem claramente estratégias para as três dimensões da sustentabilidade.

2.1 Uma gestão pró-sustentabilidade

Reunindo preocupações ambientais com questões socioeconômicas, o termo desenvolvimento sustentável foi conceituado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, no relatório “Our Common Future”, como aquele que satisfaz às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas necessidades (Wced, 1987). A definição de desenvolvimento sustentável resultou em inúmeras correntes, conceitos e concepções sobre o tema, contribuindo para sua popularização (Claro, Claro & Amâncio, 2008). A principal corrente do desenvolvimento sustentável baseia-se um tripé, mais conhecido como triple bottom line (TBL), que considera as dimensões sociais, ambientais e econômicas (Elkington, 2001).

Na área empresarial, o TBL é um modelo que baliza as discussões sobre sustentabilidade tornando-a mais atrativa para as organizações, visando a análise da sustentabilidade não só nas medidas tradicionais de lucro, retorno do investimento e geração de valor para o acionista, mas também a inclusão questões sociais e ambientais (Slaper & Hall, 2011; Elkington, 2001). Nesse sentido, pode-se perceber o surgimento de um novo paradigma, orientado pela sustentabilidade e representado por uma nova forma de gestão, onde as organizações integram a gestão ambiental e a responsabilidade social em seus objetivos, cumprindo mais do que as exigências legais, em prol de uma consciência mais sustentável (Tachizawa, 2005).

As empresas estão começando a perceber a necessidade de considerar aspectos vinculados à sustentabilidade – que até então não faziam parte do interesse empresarial – bem como averiguar possíveis influências e impactos dessas questões nas suas operações (Brito & Berardi, 2010; Silva et al., 2013). Nesse sentido, a introdução da sustentabilidade em práticas empresariais não deve ser considerada um aumento nos custos, mas sim uma oportunidade de negócios para adquirir vantagem competitiva, para melhorar a imagem da empresa e reforçar sua reputação no mercado. Porém, a questão econômica não deve ser deixada de lado, visto que a empresa está contribuindo para a sustentabilidade quando sua atuação gera resultados positivos harmoniosamente nas suas três dimensões (Orsato, 2006).

Ressalta-se que nem todas as organizações têm encontrado maneiras de garantir a lucratividade com os esforços realizados para um desenvolvimento mais sustentável (Kiron et al., 2012), apresentando sérias dificuldades em alinhar seus discursos e práticas gerenciais a uma estratégia de sustentabilidade (Claro, Claro & Amâncio, 2008). Os estudos de Kiron et al. (2012) identificaram que a maioria dos gestores entrevistados consideram a sustentabilidade um fator crítico e de grande relevância para que a empresa possa ser competitiva no mercado atual. Percebe-se que preocupações mais amplas com as pessoas e o meio ambiente passaram a representar variáveis relevantes no processo operacional e na tomada de decisão das organizações (Kleindorfer, Singhal & Van Wassenhove, 2005).

Diversas áreas do conhecimento têm discutido o modelo tradicional de desenvolvimento econômico e seus impactos. Tais debates incitam diferentes demandas sobre as empresas evocam um redimensionamento nos modelos de gestão. Nesse contexto, surge a preocupação por novos modelos de gestão que ultrapassem a tradicional forma de gerenciar os recursos e passivos organizacionais, e que garantam uma gestão a favor da sustentabilidade (Tauchen & Bradlin, 2006; Magalhães et al., 2006; Nascimento, Lemos & Mello, 2008).

Essa gestão pró-sustentabilidade passa por um processo de aprendizagem dentro das organizações, precisando da colaboração de todos para que seja efetiva em termos de responsabilidades e atitudes. No entanto, várias empresas têm dificuldade em associar seus discursos e práticas gerenciais a uma definição completa de sustentabilidade. Algumas focam questões sociais; outras, questões ambientais; e muitas, questões exclusivamente econômicas. (Claro, Claro & Amancio, 2008)

Em seu estudo, Kiron et al. (2012) relatou que a sustentabilidade é um fator crítico de grande relevância para a gestão e consequentemente para que a empresa possa ser competitiva no mercado atual. Nesse contexto, os valores da sociedade e do mundo dos negócios passaram e estão passando por remodelações de forma a incorporar também as práticas sustentáveis. Compreende-se que é preciso que o debate sobre a inserção de sustentabilidade nas empresas seja desvinculado da grande questão “introduzir ou não introduzir” e passe para o questionamento “quando será realizada a introdução” (Orsato, 2006).

As organizações principalmente as de grande porte e as que atuam junto a mercados internacionais estão buscando incorporar a variável socioambiental à sua gestão, configurando uma gestão socioambiental que pode ter caráter filantrópico ou estratégico para a organização frente aos seus stakeholders, e percebendo, além da necessidade dessa introdução, os benefícios financeiros decorrentes dessas práticas (Nascimento, Lemos & Mello, 2008; Kiron et al., 2012). Existe atualmente no mundo um movimento no intuito de modificar políticas públicas, processos produtivos e estilos de vida da sociedade em prol do desenvolvimento sustentável, isto é, um desenvolvimento socialmente mais justo, ambientalmente equilibrado e, ainda, economicamente viável (Claro, Claro & Amancio, 2008).

A gestão de uma organização orientada para a sustentabilidade precisa envolver também as variáveis ambientais e sociais ao longo de todo o processo gerencial de planejar, organizar, dirigir e controlar, utilizando-se das funções que compõem esse processo gerencial, bem como das interações que ocorrem no mercado, visando atingir seus objetivos e metas de forma mais sustentável possível. Dada a importância da gestão dos recursos no contexto atual, as empresas estão sendo incentivadas a reconhecer a grandeza de seus impactos socioambientais e a realizar ações para minimizá-los (Nascimento, Lemos & Mello, 2008; Barbieri, 2011).

O número de organizações que incluem práticas ambientais em suas estratégias e operações diárias está aumentando cada dia mais, na busca pela redução do elevado consumo de energia elétrica, emissão de gases nocivos, quantidade de insumos não-renováveis utilizados na produção de bens e serviços e no volume de resíduos gerado (Ozturk et al., 2011). É crescente também o número de leis e regulamentações, criadas nos últimos anos, para obrigar as organizações a considerarem questões ambientais e sociais em políticas de operação, buscando práticas empresariais mais sustentáveis. Essas medidas incentivam e impulsionam as organizações a repensarem suas estratégias, inserindo a sustentabilidade nos seus negócios (Claro, Claro & Amâncio, 2008).

A gestão da sustentabilidade deixou de ser uma opção para as organizações, e passou a ser uma questão de visão e estratégia para sua sobrevivência. Nesse sentido, para que gestão para sustentabilidade seja uma realidade empresarial e capaz de tornar os benefícios qualitativos e quantitativos oriundos das práticas de sustentabilidade, as empresas precisam desenvolver ou apropriar-se de mecanismos de gestão além de apoiar-se em alguns critérios de desempenho como, por exemplo, eficiência econômica, equidade social e respeito ao meio ambiente, critérios esses que devem ser considerados simultaneamente (Barbieri, 2011).

Diante dessas considerações, a sustentabilidade deve ser concebida como um fator motivador que busca envolver todas as partes interessadas (sociedade, governo, consumidores, fornecedores, organizações não-governamentais, dentre outros) em um contexto específico, onde ocorre mudança no comportamento e na responsabilidade em relação a questões ambientais, sociais e econômicas, que leva à introdução de práticas de negócios legitimadas pela sociedade (Koplin, Seuring & Mesterharm, 2007). Assim, práticas em sustentabilidade podem ser consolidadas como uma “licença de operação”, um pré-requisito para a gestão das empresas do século XXI.

2.2 A Gestão das Organizações em um cenário dinâmico

Em função da dinâmica da globalização, do aumento dos mercados consumidores, de avanços na tecnologia da informação e crescimento do nível de competitividade nos mercados, a gestão das organizações representa um dos principais desafios para gestores. Essas mutações constantes tem incitado o pensamento sobre os formatos de gestão organizacionais mais proativas, flexíveis e adaptáveis. Para o desenvolvimento de qualquer processo organizacional, todos os atores devem estar envolvidos no processo – gestores e colaboradores precisam entender a importância de conhecer e perceber a gestão como uma ferramenta de mudança com a finalidade de garantir a competitividade e a existência das organizações no mercado (Tavares, 2005; Maia & Pires, 2011).

Nessa perspectiva, a chamada gestão tradicional pode ser caracterizada como aquela que remete a conceitos e instrumentos comumente utilizados no planejamento estratégico, tático e operacional, elaboração de projetos, marketing, administração da produção, administração financeira e na administração de pessoal. A gestão tradicional fundamenta-se na prática de grandes indústrias e empresas capitalistas do século XIX. Suas formas de gerir, comumente rígidas e hierarquizadas, aplicadas em organizações estáveis, vêm se diluindo com o desenvolvimento de escolas simbólico-interpretativas, pós-modernas e críticas, e com a diversificação geográfica e organizacional (Magalhães et al., 2006).

O aumento da complexidade nos negócios resultou em diversas formas de gestão para auxiliar as organizações a atingirem seus objetivos. Tais formas estão baseadas em princípios diretivos em leis, regulamentações e políticas de gestão empresarial (Barbieri, 2011; Oliveira et al., 2012). Entretanto, as preocupações acerca de um futuro saudável para a humanidade, bem como da crescente conscientização global sobre os problemas ambientais e acerca das questões socioeconômicas relacionadas com a pobreza e a desigualdade (Hopwood, Mellor & O’brien, 2005), fazem emergir um novo contexto para gerir as atividades empresariais. A adoção de práticas de gestão associadas à sustentabilidade deve orientar à inovação de processos, produtos, posicionamento ou modelos de negócios (Barbieri et al., 2010).

Nesse sentido, a crescente degradação ambiental e o aumento do impacto social decorrente das operações organizacionais contribuíram significativamente para que práticas mais responsáveis sejam vinculadas à gestão. Dentre as diversas ferramentas para uma gestão mais responsáveis que podem auxiliar os dirigentes, estão aquelas que mantêm o sistema de gestão (normas, programas de atividades); as que garantem a comunicação e transparência entre as partes interessadas (balanço social, normas Ethos, Indicadores de Sustentabilidade Empresarial – BOVESPA); e as que asseguram a integração e compatibilidade entre os sistemas de gestão (Projeto Sigma) (Barbieri & Cajazeira, 2009). Assim sendo, a partir dessas ferramentas, as organizações podem colaborar para um melhor relacionamento com o meio ambiente e com a sociedade (Nascimento, Lemos & Mello, 2008).

3. MÉTODO

Diante do objetivo de compreender o processo de mudança para um modelo de gestão em prol da sustentabilidade e a percepção dos colaboradores frente a essa mudança, a presente pesquisa foi desenvolvida sob uma abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa permite observar um fenômeno em sua totalidade e facilita a exploração de possíveis contradições e paradoxos, com intuito de oferecer descrições ricas e explanações sobre o contexto onde o fenômeno ocorre e do qual faz parte (Vieira, 2006). Nesse sentido, o método utilizado foi o estudo de caso, uma investigação empírica que pesquisa um fenômeno contemporâneo de maneira profunda em seu contexto. As técnicas fundamentais de pesquisa no estudo de caso incluem a observação direta e entrevistas com os atores associados ao fenômeno (Yin, 2001). Como técnica de coleta de dados, definiu-se a utilização de entrevistas, conduzidas com auxílio de um roteiro semiestruturado, as quais deram subsídio para o entendimento da discussão proposta.

A Mercur foi selecionada como potencial objeto de estudo, a partir de uma palestra ministrada pelos diretores da empresa sobre seu novo modelo de gestão. A Mercur S.A. (http://www.mercur.com.br/) é uma empresa brasileira, sociedade anônima de capital fechado, fundada no ano de 1924, no município de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, a Mercur opera em quatro segmentos de mercado – Educação, Saúde, Revestimentos e Diversidade na rua – por meio da fabricação de diversificados itens, como borrachas de apagar, colas, tintas, vernizes, papéis, bolsas térmicas, atadura elástica, muletas, bengalas, tipoias, joelheiras, pisos e outros. A empresa atua em todo território do Brasil e em países da América do Sul, empregando diretamente em torno de 730 colaboradores e cerca de 1.000 terceirizados, o que inclui seus fornecedores diretos.

O contato inicial com a Mercur ocorreu por meio eletrônico, onde um e-mail foi encaminhado aos diretores, com uma breve explicação do contexto e dos objetivos da pesquisa juntamente com um convite para participação. No intuito de assegurar maior conveniência aos participantes do estudo, as entrevistas foram realizadas nas próprias instalações da empresa. O Quadro 01 apresenta as características dos colaboradores entrevistados. As entrevistas foram registradas através de gravação em áudio e, posteriormente, transcritas. Salienta-se que, visando preservar suas identidades, os entrevistados foram classificados por letras do alfabeto, conforme a ordem de realização das entrevistas.

Quadro 01.
Características dos participantes das entrevistas exploratórias

ENTREVISTADO

CARGO

FORMAÇÃO

A

Facilitador

Administração

B

Facilitador

Administração

C

Coordenador de Impactos

Engenharia Ambiental

D

Coordenador de Impactos

Economia

E

Coordenador de Suprimentos

Administração

F

Coordenador de Suprimentos

Ciências Contábeis

G

Coordenador de P&D

Administração

H

Coordenador de P&D

Administração

I

Coordenador de Clientes

Economia

Fonte: Elaborado pelos autores (2016)

Para o tratamento dos dados, utilizou-se a técnica da análise de conteúdo, empregando procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Assim, a análise baseia-se na realização de um desmembramento do texto em unidades, a partir dos diferentes núcleos de sentido, e, em seguida, o reagrupamento dessas unidades em categorias. Categorias são classes que agrupam elementos, em razão de seus caracteres comuns (Bardin, 2011). Nesta pesquisa, foram identificadas nas falas, discursos e depoimentos quais características estavam relacionadas com a percepção acerca do novo modelo de gestão pró-sustentabilidade, categorizando-as em percepção pessoal sobre a mudança de gestão, percepção das outras pessoas acerca da mudança de gestão e percepção da contribuição da Mercur para um desenvolvimento mais sustentável.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção, são apresentados os resultados da pesquisa alinhados ao objetivo proposto, a partir da análise de conteúdo realizada. Primeiramente, é descrito o contexto para a mudança para o novo modelo em prol da sustentabilidade e, posteriormente, são exibidos os relatos dos colaboradores sobre a mudança para o novo modelo.

4.1 Mudança na Gestão: uma gestão pró-sustentabilidade

O novo pensar sobre os negócios refletiu em uma série de mudanças na Mercur, transformando sua maneira de operar e de se relacionar, em busca de um modelo de gestão voltado para a sustentabilidade. De tal forma, entende-se que as efetivas ações pró-sustentabilidade devem permitir o rompimento, as desconstruções, as indagações, as construções e a emergência de novas maneiras de pensar e agir (Fenker, 2012). Nesta subseção, são apresentados o contexto organizacional para a concepção do modelo de gestão em prol da sustentabilidade e o relato de ações realizadas para facilitar o desenvolvimento e a implantação desse novo modo de gerir.

Diversas modificações passaram a ocorrer na organização a partir do ano de 2009, declarado pelos entrevistados como o “ano da virada da chave”. Tal processo de “virada” teve início em 2007, com a contratação de uma agência de publicidade e propaganda para avaliar o posicionamento da marca Mercur. O entrevistado G afirma que “isso começou quando nós estávamos fazendo todo o (...) trabalho corporativo para fortalecer a marca da Mercur e estávamos buscando qual seria o posicionamento institucional da empresa”. No entanto, o entrevistado coloca que esse trabalho fomentou o surgimento de vários questionamentos, não somente vinculados à marca, conforme seu relato:

“Como a gente ia buscar e enfatizar a questão de ‘para que a marca está no mundo?’. E dentro desta busca toda, se começou a avaliar, ‘bom, o que a gente quer com a marca?’. ‘O que a Mercur pode fazer de diferente no mundo?’. ‘Qual a nossa importância em relação a isso?’. E aí, esses questionamentos começaram dentro do próprio trabalho de marca. ‘Onde a Mercur vai se diferenciar dos demais?”.

Em suma, não estava evidente o sentido da existência da Mercur, bem como as características que devem defini-la como uma organização singular (o DNA da empresa). Diante dessas inquietações, os diretores e os acionistas começaram a refletir sobre a gestão da empresa e, também, a melhor maneira de fazer negócios, de modo a contribuir para a qualidade de vida das pessoas. As opiniões dos entrevistados convergem no sentido de que o papel da alta gerência foi essencial para consolidar uma mudança voltada para um desenvolvimento mais sustentável. Segundo Claro, Claro e Amâncio (2008), a difusão da sustentabilidade no âmbito organizacional acontece por meio da gestão, sendo fundamental o papel da alta administração para que iniciativas e esforços voltados às responsabilidades socioambientais façam parte de todas as atividades empresariais.

Nesse sentido, foi contratada uma empresa de São Paulo para prestar consultoria à Mercur no que diz respeito a essas reflexões – parceria que se mantém até hoje. O ano de 2008 foi de planejamento de um novo modo de gestão baseado em princípios de sustentabilidade. Conforme o entrevistado A, “a ideia não é ‘vamos abrir uma ONG [organização não governamental] um dia, mas hoje eu quero ganhar dinheiro’. É usar a sustentabilidade como core business para que ela seja um fator de geração e agregação de valor para a empresa”. Logo, foi decidido incorporar a sustentabilidade em todas as atividades da empresa, ao invés de trata-la como algo externo às operações organizacionais. Dessa maneira, a sustentabilidade passa a ser percebida como oportunidade e investimento, e não como uma despesa organizacional (Orsato, 2006).

Portanto, a “virada” representa uma transformação no modo de gerir a Mercur, passando a incluir explicitamente práticas para benefício do meio ambiente e de toda sociedade. Em 2009, ocorreu a “virada da chave”, mediante devida aprovação e apoio dos acionistas da empresa. O entrevistado F relata que “então 2009, pra nós foi um ano da virada, onde na verdade se reforçou o posicionamento da empresa que estava baseado num tripé, que era a questão social, a questão econômica e a questão ambiental”. O entrevistado I comenta que a postura da Mercur baseou-se no fato de que “a sustentabilidade ainda não pode ser uma coisa imposta, ela tem que ser entendida. Isso tem que fazer parte do DNA (...) a gente tem que ter essas atitudes, conversar e começar a pensar de uma maneira mais sistêmica”.

Segundo o entrevistado D, entendeu-se que “a Mercur só existe porque existem pessoas, que influenciam e são influenciadas pela empresa”. Desse modo, seria preciso trabalhar com e para as pessoas. Nessa perspectiva, foram designados a área estratégica de atuação, o compromisso institucional, os direcionadores, os direcionamentos, e a reestruturação do organograma da Mercur. Estabeleceu-se que a área estratégica de atuação é o bem estar, definido como “o mundo de um jeito bom pra todo mundo”, a partir da compreensão de que o bem estar parte do individual para o coletivo. A partir de sua estratégia, a Mercur definiu o compromisso institucional de unir pessoas e organizações para criar soluções sustentáveis.

No que diz respeito aos direcionadores, estes são condicionantes baseados em valores e princípios, que orientam a construção de realidades futuras da empresa e suas competências fundamentais. Os direcionadores Mercur são: (a) atuar em função das pessoas; (b) buscar soluções relevantes com simplicidade; (c) ser ético em todos os relacionamentos; (d) preservar para a posteridade; e, (e) atuar em mercados éticos que valorizam a vida (Mercur, 2016). Por sua vez, os direcionamentos são as metas internas ou os objetivos estratégicos organizacionais. Os direcionamentos da empresa são: (a) substituir insumos não-renováveis; (b) ser uma empresa carbono neutro; (c) substituir importações; (d) fomentar ocupação e renda; (e) reduzir diferenças entre menor e maior salário na organização; e, (f) não praticar negócios com mercados que prejudiquem o meio ambiente ou a sociedade;

De acordo com Sachs (2008), a modificação do modelo de desenvolvimento em prol da sustentabilidade deve orientar um novo enfoque de planejamento e gestão, no qual as práticas atuais são redirecionadas para questões mais amplas e coletivas, demonstrando diferentes papéis a serem realizados pelos atores envolvidos. Nesse sentido, para consolidar a implantação do compromisso institucional proposto, instituiu-se uma nova estrutura organizacional para acompanhar as mudanças internas, partindo da ideia de tornar a gestão mais próxima à lógica da cooperação. Até 2009, a Mercur atuava através de unidades de negócio. O entrevistado G narra que:

“A Mercur tinha três principais áreas de atuação. Essas três principais áreas de atuação, elas eram bem definidas e bem separadas. Cada área dessas tinha uma estrutura completa. Tinha uma diretoria, tinha uma área comercial, área de pesquisa e desenvolvimento, área de marketing. Então, toda ela estruturada. Com essa mudança, a ideia era a Mercur deixa de ser uma empresa totalmente segmentada e vai buscar ‘sinergizar’ as suas atividades. A Mercur passa a ser uma só. Que a gente vinha ‘departamentalizando’ bastante e às vezes aconteciam algumas atrocidades, eu digo, que quando você tem uma empresa dividida em áreas, às vezes têm esforços que são feitos nas três, que se fossem combinados... Puxa, seria outra coisa né”.

Desde então, foram deliberados colegiados para uma atuação mais distribuída, onde as decisões são tomadas coletivamente, respeitando as diversidades e complexidades internas e externas, bem como envolvendo maior diálogo entre as partes da organização. Os novos colegiados são divididos em (a) Operação, compreendendo cadeia de suprimentos, inovação, clientes e produção, e (b) Sustentação, abrangendo espaços de aprendizagem, incubadora, impactos e estratégia. Os colegiados vinculados à sustentação são considerados mais estratégicos. Cada área possui um colegiado, formado por coordenadores e a organização tem um colegiado geral, responsável por discutir e tomar decisões de forma coletiva sobre todas as áreas da Mercur.

Ademais, o achatamento na hierarquia proporcionou a constituição de novas áreas: Impactos e Facilitação. Os entrevistados C e D concordam que a área de impactos tem por finalidade reduzir, minimizar ou eliminar os impactos dos processos e produtos da empresa ao meio ambiente e à sociedade, com autonomia para interferir nas atividades da Mercur e para auxiliar parceiros a desenvolver práticas com o mesmo fim. Por seu turno, a facilitação tem o objetivo de direcionar esforços para levantar e refletir acerca de diferentes opiniões e argumentos, que podem trazer diversas contribuições. De acordo com o entrevistado A, “quando se propõe a trabalhar de forma colegiada, é preciso dialogar, decidir, legitimar e construir com as pessoas”, enxergando além de áreas isoladas.

Além de mudanças na estrutura organizacional, também ocorreram mudanças nos cargos e funções dentro da Mercur. O entrevistado D conta que “lá em 2009, a Mercur passou a não ter mais os gerentes, não ter mais supervisores, a não ter mais diretores. Então passaram a se chamar facilitadores os diretores, e os gerentes e supervisores passaram a ser coordenadores”. Entretanto, o mesmo entrevistado argumenta que, para consolidar o novo modelo de gestão da Mercur, optou-se por manter algumas estratégias do antigo modelo, visto que a “proposta não era realizar um processo de reengenharia, onde se parte do zero pra construir algo novo”. O entrevistado B acrescenta que “as funções como comprar e vender continuam a fazer parte do cotidiano, mas com outra lógica”. Pode-se dizer que a dimensão econômica não é abandonada, uma vez que é necessário manter a rentabilidade da empresa (Orsato, 2006), porém, não é a única ótica que rege os negócios da Mercur.

Cabe salientar as parcerias que foram realizadas com instituições, como, por exemplo, com o Instituto Paulo Freire (http://www.paulofreire.org/en/), que realiza projetos de educação continuada, orientados pelas dimensões socioambiental e intertranscultural. O Instituto foi frequente referenciado nas entrevistas: o entrevistado D falou sobre ‘saberes diferentes’ e a relação entre direito e diálogo; o entrevistado A abordou questões de opressão, emancipação e visões de mundo diferentes, alegando que a chave é o diálogo participativo, com reflexão e aprendizagem; e, o entrevistado B dissertou sobre a relação da parceria com o Instituto e dos espaços de aprendizagem que surgiram na empresa, juntamente com a contratação de profissionais da área da pedagogia, da fisioterapia, da terapia ocupacional etc. Os anos seguintes à “virada da chave” foram sendo marcados por discussões e construções coletivas com diferentes públicos em torno desse novo modelo de gestão, dando espaço a maiores questionamentos e reflexões.

4.2. Percepção sobre a Mudança: a visão dos colaboradores

Diante dessa contextualização, é possível perceber que, durante seus noventa anos de operação, a Mercur passou por diferentes posicionamentos. O entrevistado E aborda as mudanças no modo de gerir da empresa ao comentar que “na verdade a Mercur tá sempre em transformação (...) Então, essas mudanças, pra mim, eu já estava meio que acostumado assim, que sempre vem alguma coisa...”. O entrevistado F afirma que “a Mercur sempre pensou de uma maneira diferente. (...) O posicionamento da empresa já era um posicionamento um pouco diferente do normal das outras empresas”. Por sua vez, o entrevistado I avalia a trajetória da Mercur, ao colocar que “o mundo de um jeito bom pra todo mundo. Como fazer isso, né? Pensar nessa concepção? Então se nós olhar a Mercur de 2009 até hoje, a evolução, ela é uma constante (...) na maneira de pensar e de agir, e de se relacionar”.

Nesse contexto, dada a utilização da técnica de análise temática de conteúdo, foram identificadas categorias a partir dos comentários considerados mais relevantes e mais frequentes para o contexto estudado: percepção pessoal sobre a mudança de gestão, percepção das outras pessoas acerca da mudança de gestão e percepção da contribuição da Mercur para um desenvolvimento mais sustentável. No que diz respeito à percepção pessoal sobre a mudança de gestão da Mercur, verifica-se que os colaboradores compreenderam o início do processo de maneira distinta, em virtude de sua área de formação ou área de atuação na empresa. O entrevistado F argumenta que “minha formação toda foi financeira, era um contrassenso, né? Muitas vezes abdicar de um resultado em prol de uma questão ambiental... (...) então, no início, sendo sincero, realmente nos tirou o chão, tirou as bases”. Ainda, ele acrescenta que:

“Eu como financeiro na época pensava só na, muitas vezes, na questão financeira de trazer o resultado para a empresa (...) Pra nós, no início assim, nos deixou um pouco sem chão, porque a gente sempre foi treinado... Eu estudei na FGV, e o normal das escolas de ensino é que tu tem que trazer resultados, né. Tu tem que trazer valor pros stakeholders, que é no caso os acionistas da empresa, pro governo e tal... A função social, o governo tinha que fazer, né, é isso que a gente aprende na escola, e com essa mudança, vamos dizer assim, e com essa virada fez com que a gente pensasse de maneira diferente, né, que o social talvez a gente não podia terceirizar o social pro governo fazer, mas a Mercur tinha na verdade como direcionador também desenvolver o social nas relações onde ela estava inserida”.

Na mesma visão, o entrevistado H conta que “no início do jeito que a gente tinha, assim, alguns conhecimentos, algumas entradas, que seria um pouco complicado todo esse processo. Porque a gente não tinha nenhuma ideia. Ou pelo menos as informações que chegavam, elas chegavam muito fracionadas”. Por seu turno, o entrevistado I enxerga as mudanças no modelo de gestão “como benéficas. (...) Muitas coisas que a gente fazia antes, hoje não têm mais lógica. (...) Uma empresa sustentável você vai adaptando ela aos poucos e ela precisa formar as relações que ela forma, isso precisa mudar”. O entrevistado G acredita que “não é uma mudança do dia para a noite, porque tu precisas muitas vezes repensar até a tua forma de ver o mundo. A gente muda certas coisas, tu precisa se adaptar a isso. (...) [Mas] às vezes, algumas coisas precisam ser bastante radicais, pra permitir alguma mudança”.

Seguindo a mesma perspectiva, o entrevistado E julga que a proposta de mudança ocorreu em “um momento adequado, até, pensando depois, realmente tinha que ser. (...) Foi muito bom porque a gente começou a ver o porquê de tudo, que tudo fazia muito sentido, porque tudo é muito verdadeiro no propósito”. Ainda, este colaborador relata que se sentiu motivado pela mudança, uma vez que a empresa “nunca é a mesma coisa e sempre tem oportunidade de fazer coisas novas, né”. O entrevistado D compreende o novo modelo de gestão como “uma metodologia diferente de conduzir os negócios, né. E nos ajudou [a Mercur] muito”. Além disso, complementa que:

“Mas a gente tá buscando ser inovador. (...) Só que assim, em termos de gestão, sim. Por quê? Porque a gente instituiu um modelo de gestão da empresa que não tem similar. Nós não copiamos, não achamos isso num livro. Ele foi sendo construído pela expertise (...) enfim. E aos poucos também aquilo que estava sendo construído que não dava certo, o pessoal ia mudando, né. Por quê? Porque justamente não tinha um modelo pronto, uma receita de bolo, “oh, vamos fazer assim que vai acontecer isso, porque isso já tá testado”. Não, não estava testado”.

De acordo com o entrevistado I, a “mudança de opinião (...) também faz parte do processo de sustentabilidade. (...) A gente aprende. Então existe um constante aprendizado, um com o outro”. Nessa perspectiva, foram observadas diversas referências às questões educacionais disponibilizadas para os colaboradores desde a “virada”. Por meio de parcerias, foram ministradas palestras e estudos, com a finalidade de “repensar a educação, pra criar um espaço de aprendizagem, que possibilitasse desenvolver em cada um, um aprendizado e um conhecimento maior sobre sustentabilidade”, segundo o entrevistado G. O entrevistado D diz que o “contato com outras ciências, com a pedagogia do instituto Paulo Freire, pessoal da psicologia, historiadores, biólogos” ampliou as fronteiras de conhecimento. O entrevistado E narra que “as questões educacionais, que foram muito importantes assim, pelo menos para mim (...) pra gente poder chegar nas nossas próprias conclusões e ver que tudo que a gente fez até então, a gente fez porque não tinha consciência que aquilo não era correto”.

No entanto, o entrevistado G evidencia que “algumas percepções a gente só consegue ter depois que passa”. Assim, os entrevistados parecem compartilhar uma opinião positiva sobre esse processo de mudança nos dias atuais. O entrevistado H relata que “quando se começou a compartilhar mais o que se estava fazendo, eu acho que, assim, só se teve a ganhar nesse processo. A nossa forma de pensar mudou, na minha opinião, a minha forma de pensar mudou bastante”. O entrevistado I entende a mudança como “um processo que tá andando. Hoje estamos melhores do que em 2010? Estamos melhores do que em 2010, entendeu? Talvez em 2015, não sei se vamos estar melhores que hoje, né”. Para o entrevistado G, “naquele primeiro momento, assim, eram algumas coisas muito radicais. (...) Talvez muito radicais por acreditar que se possa fazer, mas ao mesmo tempo, hoje eu analiso é que se não fosse algo assim tão exigente, talvez a gente não tivesse nem se puxado à metade”.

Quanto à percepção das outras pessoas acerca da mudança de gestão, verificou-se que os colaboradores entendem que a interpretação sobre o novo modelo de gestão da Mercur foi diferenciada para outras pessoas da empresa. O entrevistado D justifica que as dificuldades foram originadas “porque as pessoas não queriam ir para o novo, né. Então pegava um pouco... tem que estar aberto para o novo”. Na mesma lógica, o entrevistado G argumenta que “não é porque as pessoas estão na mesma sala e você tira os nomezinhos das áreas, é que isso vai funcionar. Então... Não é porque se diz assim, agora comecem a pensar diferente, que as pessoas pensam diferente, né? Não dá. Nós somos humanos”. O entrevistado E opina que:

“Mas eu senti assim que na empresa muitas pessoas ficaram meio sem saber como lidar, porque a estrutura mudou junto com o posicionamento, parece assim... Foi tudo meio que no mesmo momento, foi bem uma virada. A gente tinha uma estrutura organizacional em unidade de negócios com suas gerências e de repente a gente não tinha mais isso e passamos a trabalhar em colegiado. Então a estrutura organizacional mudou, que também criou uma certa resistência de algumas pessoas, juntamente com isso a gente teve todos os direcionamentos, direcionadores sendo implantados, sendo conversados sobre eles de uma forma mais assim... diária, assim, que a gente introduziu no nosso dia-a-dia. E então foi tudo junto né, então acabou causando assim alguns desconfortos pra quem tava... Tanto é que muitas pessoas saíram da empresa”.

Por sua vez, o entrevistado G comenta que “começou a mexer mesmo na organização, começou a fazer uma mudança, se tirou da zona de conforto diversas pessoas... (...) Algumas pessoas foram afastadas das operações, outras foram remanejadas com diversos objetivos”. Ainda, acrescenta que “eu digo assim, eu tive o privilégio de ter que, não sem dor, muito dolorido, muito difícil, de ser afastada daquilo que eu fazia e ser colocada (...) a pensar coisas novas, a olhar algo diferente”. O entrevistado H aborda alguns questionamentos que foram realizados ao longo do processo, ao comentar que:

“E quem estava de fora, também tinha uma outra visão, né Karen? Tu também tem outra percepção, né? Quando começam as mudanças (...) olhando de fora, o que está acontecendo? A gente não entendia o porquê. Será que a ideia é tornar todo mundo, todos gerentes conhecedores um pouco de cada área? Não manter eles nos seus lugares? (...) O que vai acontecer agora, né? Será que a empresa não quer mais as pessoas... Era, um pouco assim, meio chocante. Será que a empresa não vai mais existir? Então, muito nesse sentido. Teve muita resistência também. Eu vi muita resistência”.

Em relação à percepção do papel da Mercur para colaborar para um desenvolvimento mais sustentável, os colaboradores da Mercur creem que existem inúmeros incentivos da empresa pensando na redução de impactos socioambientais para gerações futuras. Para o entrevistado D, o diferencial da Mercur está nos “encontros que a gente faz e o fato de estarmos abertos para conversar. Isso eu acho que é fundamental. Nós somos uma empresa aberta, que quer dialogar”. O entrevistado I opina que “quanto mais a gente instigar as empresas a pensarem, saírem do automático, esse é o grande papel”. Segundo o entrevistado E, “a gente tem horrores ainda para caminhar, (...) mas a gente deu alguns passinhos importantes, que eu acho que vão ajudar a trazer essa forma”. Ainda, este entrevistado relata que a grande contribuição da empresa está no seu compromisso institucional:

“Eu acho que unindo pessoas, conversando, dialogando sobre o assunto, criando novas possibilidades a gente consegue atingir porque eu acho que não é só fazer internamente, mas sim que isso possa abranger outras pessoas, outras empresas, beneficiar outras pessoas, se a gente tá falando numa causa que vai beneficiar as pessoas, não tem como falar só das pessoas da Mercur, ou só das pessoas de Santa Cruz, então isso tem que se espalhar”.

Nesse contexto, os relatos dos colaboradores convergem no sentido de que a Mercur possui um relevante papel na construção de um desenvolvimento mais sustentável. Todavia, a empresa não é um padrão a ser seguido por outras organizações, uma vez que cada organização deve compreender qual a melhor maneira de introduzir práticas socioambientais em seu contexto. Para o entrevistado A, “não existe uma empresa sustentável. Na realidade, o que se vê são práticas de sustentabilidade aplicadas em cada empresa, dentro do modelo que cada organização vem atuando”. Dessa maneira, as decisões estratégicas devem se adequar e evoluir conforme os novos valores e as novas propostas de cada organização singular.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa objetivou de compreender o processo de mudança para um modelo de gestão em prol da sustentabilidade e a percepção dos colaboradores frente a essa mudança. Dessa maneira, colaboradores da Mercur foram questionados acerca do processo de mudança de gestão, ocorrido em 2009, e sua percepção sobre tal processo. Verificou-se que, durante seus noventa anos de operação, a Mercur passou por diferentes posicionamentos (incluindo modelo de unidades de negócios e colegiados) em função de diversos contextos de mudança. Um novo olhar sobre como gerir os negócios refletiu em uma série de mudanças na empresa, em busca de um modelo de gestão voltado para a sustentabilidade.

Nesse sentido, verificou-se que a inquietação da alta gerência e a parceria com instituições educacionais foi fundamental para a concepção da melhor maneira de fazer negócios, de modo a contribuir para a qualidade de vida das pessoas. Para que o novo modelo de gestão pudesse ser implantado, foram redefinidos a área estratégica de atuação, o compromisso institucional, os direcionadores, os direcionamentos, e a reestruturação do organograma da Mercur de maneira a acompanhar as mudanças internas, partindo da ideia de tornar a gestão mais próxima à lógica da cooperação. Cabe salientar que as relações de poder dentro da empresa não somem, mas as potenciais tensões são amenizadas a partir da proposta de cooperar para obter bons resultados à organização, como um todo.

No que diz respeito à percepção dos colaboradores, esta foi classificada em três categorias: percepção pessoal sobre a mudança de gestão, percepção das outras pessoas acerca da mudança de gestão e percepção da contribuição da Mercur para um desenvolvimento mais sustentável. A percepção pessoal dos colaboradores sobre a mudança de gestão da Mercur aponta que os entrevistaram compreenderam o início do processo de maneira distinta, em virtude de sua área de formação ou área de atuação na empresa. No entanto, os entrevistados parecem compartilhar uma opinião positiva sobre esse processo de mudança nos dias atuais.

Em relação à percepção das outras pessoas acerca da mudança de gestão, constatou-se que os colaboradores entendem que a interpretação sobre o novo modelo de gestão da Mercur foi diferenciada para outras pessoas da empresa, principalmente aquelas do setor mais operacional. Em relação à percepção do papel da Mercur para colaborar para um desenvolvimento mais sustentável, os colaboradores acreditam os inúmeros incentivos da empresa têm resultado positivo na redução de impactos socioambientais para gerações futuras.

Acredita-se, portanto, que a presente pesquisa possui contribuição para a temática, à medida que evidencia a possibilidade de implantação de um modelo de gestão pró-sustentabilidade. Recomendam-se como pesquisas futuras a realização de um estudo longitudinal da empresa estudada para acompanhar as mudanças realizadas, além de novos estudos, incluindo outras empresas e organizações localizadas em diferentes regiões brasileiras.

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